sexta-feira, 30 de outubro de 2009

CRÔNICAS SOBRE O PROFESSOR

PROFESSOR, MÉDICO E PEDREIRO SE ESCREVE COM SEIS LETRAS


Josenildo Silva de Souza1


Xenofonte, filósofo grego, escreveu um livro no qual relata os ditos e feitos notáveis de Sócrates. No Livro I, Capíluto VII, ele afirma que esse grandioso filósofo costumava dizer que não há mais belo caminho para a glória do homem de bem ser o que realmente deseja parecer.

Segundo Sócrates, um indivíduo que quisesse passar por aquilo que ele não tinha a menor vocação, competência e conhecimento, poderia por alguns instantes obter êxito, mas, logo sua máscara seria descoberta e o resultado prático de suas ações o revelaria como impostor.

Se esse indivíduo quisesse passar-se por médico, por exemplo, de imediato se vestiria de branco, levaria consigo senão todos mas parte dos instrumentos que os médicos utilizam quando vão examinar um paciente. Esse mesmo indivíduo, se cercaria e procuraria a todo instante estar próximo àqueles que exercem essa magnífica profissão. Poderia até falar como eles, andar como eles, desfrutar do prestígio que eles desfrutam na sociedade. Que nunca, porém, alguém lhe entregasse um enfermo. Pois este, correria um risco de vida maior do que se ficasse com sua enfermidade entregue à própria sorte.

Se quisesse passar-se por pedreiro, mostraria, em primeiro lugar, as roupas sujas, as mãos grossas e calegadas, o corpo musculoso e marcado pelo trabalho árduo, penoso, duro mas digno, muito embora não muito valorizado pela sociedade que tem por esse trabalho uma consideração inferior em relação ao trabalho do médico. Poderia até, carregar nas suas mãos e mochilas todos ou parte dos instrumentos de trabalho característicos dessa profissão. Porém, que ninguém lhe confiasse a construção de sua moradia, pois, do contrário, correria o risco desta desabar sobre sua cabeça.

Se esse indivíduo quisesse passar-se por professor, se cercaria de livros, textos, equipamentos tecnológicos dos mais sofisticados para convencer a escola ou universidade sua competência. Porém, que ninguém lhe confiasse uma sala de aula sem antes constatar sua competência teórica e prática as quais são inseparáveis. Do contrário, o prejuízo para os alunos e para sociedade como um todo seriam incalculáveis. No caso dos alunos, eles não teriam respostas para suas dúvidas, seus questionamentos, não teriam uma orientação adequada para a realização dos seus trabalhos. Iriam se ver no mato sem cachorro, entregues aos seus próprios recursos, entregues a própria sorte. No caso da sociedade, esta teria profissionais formados mas desqualificados para o trabalho, incompetentes, submissos incapaz de qualquer autonomia pessoal e profissional. Em outras palavras teríamos todos nós uma prática educativa na qual o fingimento seria o conceito prioritário, dominante.

Assim. não se pode atribuir aos outros e a si mesmo competência, habilidade, compromisso ou seja qual for a qualidade sem que se constate na prática a veracidade dessas qualidades. Os homens não são aquilo que eles pensam que são, nos adverte Marx e Engels na Ideologia Alemã mas, aquilo que eles efetivamente realizam. Até o Livro Sagrado nos adverte sobre isso: No princípio era o Verbo. Verbo que dizer palavra que designa uma ação. São as ações que define os homens e não o contrário.

Quem insistir logo cairá no ridículo, perderá sua reputação, viverá uma vida miserável, ridícula. Eis porque professor, médico e pedreiro se escreve com seis letras.

1 Professor da Universidade estadual Vale do Acaraú – UVA.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

CRÔNICAS SOBRE O PROFESSOR


PAI EFICIENTE, PROFESSORES PERPLEXOS

Josenildo Silva de Souza1

Tem se tornado tema recorrente o fato de muitos professores se queixarem por não conseguir ensinar a seus alunos os conteúdos das disciplinas por eles ministrados. Apresentam como argumentos a seu favor, dentre outros, o não envolvimento dos pais na educação escolar dos filhos, bem como a falta de um método capaz de levá-los, com maior rapidez e eficácia, a atingir seus objetivos.

Pois bem! Recentemente assistimos, nos meios de comunicação de massa, um vídeo no qual um pai (sequestrador) ensinar o filho e a sobrinha de menos de quatro anos de idade a assaltar e a matar (dois crimes hediondos condenados pela nossa sociedade). A eficiência do pai foi tamanha que, através do próprio exemplo e com breve diálogo com as crianças, conseguiu fazer com que elas adotassem a postura definida pelo “grande mestre”. A idade das crianças nos chama a atenção. Parece que esse pai tinha conhecimento de Psicanálise. É mais ou menos nessa idade ou fase da vida como queiram, que as crianças desenvolvem o que Freud chamou de identificação. Isto é, processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro2. Em outra palavras adota traços de personalidade, caráter ou qualquer atributo de outro sujeito que representa objeto de amor, desejo, poder e autoridade

Ora! Nessa idade, as pessoas mais significativas para as crianças são os pais. Elas adotam atitudes, comportamentos, valores, crenças dos pais, adultos ou crianças mais experientes. Será que os pais sabiam disso! Claro que sim! E demostraram isso na prática!. Não é por isso que os pais dizem, felizes da vida, “esse menino puxou a mim!” e ficam tristes quando algo dá errado? Não sei a quem esse infeliz puxou! É quando a briga começa!

A rapidez com que os pais obtiveram êxito poderia ter causado inveja a muitos professores que se lamentam, com frequência, da falta de interesse, motivação e do pouco ou nenhum envolvimento dos alunos pelos conteúdos das disciplinas e atividades pedagógicas ministradas por eles e definidas pela proposta pedagógica da instituição a qual estão vinculados. Conteúdos fora da realidade? Fora do contexto? Não significativos? E as perguntas continuam sem respostas!

Problema de método? Segue-se o exemplo! Uma das melhores formas de se ensinar ao outro alguma coisa é, antes de tudo, se apresentar como exemplo. Ser conhecedor profundo e praticante daquilo que se pretende ensinar. Ser exemplo a ser seguido! Ser autoridade no assunto! Na literatura pedagógica, isso significa domínio de conteúdo, formação constante e segurança na transmissão. O pai (sequestrador), como vimos, tinha todos esses atributos, qualidades. Ele, em nenhum momento fraquejou! Em nenhum momento desistiu de ensinar! Não desistiu de seus objetivos. Foi a luta.


Sequestrador: “Agora a Duda vai dar um tiro”.

Sequestrador: “Diz para ela. Cadê o meu dinheiro, boneca?”

Ele reforça a lição:

Sequestrador: Diz para ela, cadê o meu dinheiro, boneca?”

Ele ordena:

Sequestrador: “Dá uma coronhada nela! Dá uma coronhada nela!”


Quando as crianças não conseguiam aprender ou entender o que estava sendo ensinado, o pai agia em socorro à elas. Ensinava como agir! Pegava na mão delas! Ele mostrava como fazer.

Como a menina não entendia, ele mostrava:


Sequestrador: “Com o cabo, com o cabo, assim, assim. Diz: Dá meu dinheiro, boneca”.

A menina, então aprende:

Menina: “Dá meu dinheiro”.

O menino, por sua vez, não fica atraz:

Menino: “O que foi mãe?” “Mata ela, pai,mata ela. Deixa que eu mato ela um pouco”.3


Pronto! Conteúdo assimilado, aula encerrada! Não precisava mais de aulas de reforço, tão comuns nos dias de hoje e que leva os pais a pagarem duas vezes pelo mesmo produto. A menina e o menino puseram em prática o que aprenderam. Na linguagem pedagógica se diz, sem dúvida alguma, que o aprendiz efetivamente aprendeu quando põe em prática o que lhe foi ensinado. Eficácia de 100%. Temos aqui exemplo da relação teoria-prática.

No dia seguinte, as crianças não tiveram outra aula porque a polícia prendeu o pai e a mãe delas por serem acusados de participarem do sequestro de duas pessoas, mãe e filha, em Santa Catarina. Também não precisava mais! Ao serem presos, os pais deram uma prova as crianças de que aquilo que eles estavam ensinando era real, verdadeiro, concreto e que fazia parte do cotidiano deles, inclusive das consequências sociais dos seus atos. Não é consenso na literatura pedagógica a tese de que “é necessário partir do concreto, do que faz parte do dia-a-dia?” (Paulo Freire).

Seria isso que está faltando a muitos professores? Domínio de conteúdo, atualização constante de conhecimentos, segurança na transmissão , método de ensino, ser objeto de identificação? Se transcrevermos o diálogo e substituírmos os personagens e o conteúdo da conversa, veremos que nas situações pedagógicas o mesmo poderia ocorrer, se não, vejamos:


Professor(a): “Agora é Duda que vai fazer a lição” - Ler o texto

Professor(a): “Duda! Comece a ler o texto”. - Ler o texto com calma e cuidado

Aluno(a): “Não consigo, professora”.

Professor(a): “Consegue sim!”

Aluno(a): “Professora, por favor me ensine!”

Aluno(a): “A senhora pode me ensinar?”

Professor(a): “Posso sim! Vou lhe mostrar!”

Professor(a): “É assim que se ler”- Mostra como se deve ler

Aluno(a):”Pronto professora! Aprendi a ler”.

Professor(a):”Mostre-me, então”.4

Por que esse segundo diálogo, embora fictício, não se torna recorrente e eficaz no cotidiano das nossas escolas? Por que há tanta queixa por parte dos professores que os alunos não conseguem aprender por maior que seja seus esforços, recursos didáticos, etc? O que está acontecendo, afinal?

Esse texto visa chamar nossa atenção e reflexão para os resultados inexpressivos das nossas práticas educativas. Não é a toa que, frequentemente, utilizamos a racionalização5 no nosso discurso pedagógico: “pelo menos se eles (alunos) conseguirem atingir esse ponto, já me dou por satisfeito”. É o discurso da raposa que não conseguiu comer as uvas: “elas estavam verdes, mesmos”. Devemos compreender a natureza e a dimensão do problema que temos em mãos. Pois, só assim podemos adotar medidas eficazes para resolvê-lo. Quando não se compreende com profundidade as causas do problema, isto é, os fatores que determinaram o seu surgimento, muito pouco se pode fazer. E não adianta vir com esse discurso, tão frequente no nosso cotidiano: “pelo menos estou fazendo alguma coisa”.

Se é possível ensinar as crianças comportamentos, atitudes, valores condenáveis por qualquer sociedade é possível ensinar-lhes, também, tudo que a humanidade tem de melhor, de virtuoso, de grandioso para termos no amanhã dias melhores. As escolas foram criadas com essa finalidade. Ensinar Filosofia, Ciência, Ética e Estética. É para isso que colocamos nossas crianças, adolescente e adultos nas escolas. Para se apropriarem e produzirem saberes que sejam capazes de elevar a condição humana, tão ameaçada atualmente. Do contrário, continuaremos com a hipocrisia do país da Xuxa e Seus Baixinhos, da Criança Esperança largando na dianteira dos países onde se mata mais crianças e adolescentes no mundo e acreditando, acima de tudo, que “Deus é brasileiro”. Educação ou barbárie?????

1Professor e Psicólogo

2Laplanche e Pontalis – Vocabulário de Psicanálise (1999)

3Diálogo publicado em O Globo em 05/06/2009

4Diálogo criado pelo autor do texto

5Processo pelo qual o sujeito procura apresentar uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, uma ação, uma idéia, um sentimento, etc, cujos motivos verdadeiros não percebe. Laplance e Pontalis. Dicionário de Psicanálise(1999).