Josenildo Silva de Souza
O
objetivo desta aula é apresentar, de maneira resumida, as idéias
centrais da abordagem centrada na pessoa
a qual foi desenvolvida a partir da experiência clínica do
psicólogo americano Carl Rogers e como ela pode ser trabalhada em
prol do aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem.
Segundo
Rogers, há um campo de experiência único para cada indivíduo;
este campo de experiência
ou campo fenomenal
contém tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, e que
está potencialmente disponível à consciência. Inclui eventos,
percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa não toma
consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses
estímulos. É um estímulo privativo e pessoal que pode ou não
corresponder à realidade objetiva.
Dentro
do campo da experiência está o self.
Rogers usa o self para
se referir ao contínuo processo de reconhecimento da pessoa. O self
ou autoconceito é a visão que uma pessoa tem de si própria,
baseada em experiências passadas, estimulações presentes e
expectativas futuras.
O
self ideal é o
conjunto de características que o indivíduo mais gostaria de poder
reclamar como sendo descritivas de si mesmo. A extensão da diferença
entre o self e o self
ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades
neuróticas. Quanto maior a extensão da diferença, maiores as
possibilidades da pessoa está vivenciando uma experiência
neurótica. Aceitar-se como se é na realidade, e não como se quer
ser, é um sinal de saúde mental. Aceitar-se não é resignar-se ou
abdicar de si mesmo; isto é, não significa que o indivíduo deva se
conformar com sua real situação, mas sim, tomar consciência dela
de maneira que a partir dela possa extrair motivações para o
crescimento. É uma forma de estar mais perto da realidade, de seu
estado atual. A imagem do self
ideal, na medida em que se diferencia de modo claro do comportamento
e dos valores reais de uma pessoa é um obstáculo ao crescimento
pessoal.
Segundo
Rogers, a hipótese central dessa abordagem pode ser colocada em
poucas palavras. Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos
para autocompreensão e para modificação de seus autoconceitos, de
suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Esses recursos podem
ser ativados se houver um clima, passível de definição, de
atitudes psicológicas facilitadoras;
Há três condições que devem estar presentes para que
se crie um clima facilitador de crescimento. Estas condições se
aplicam, na realidade, a qualquer situação na qual o objetivo seja
o desenvolvimento da pessoa.
O primeiro elemento diz respeito a autenticidade,
sinceridade ou congruência. Quanto mais o indivíduo for ele mesmo
na relação com o outro, quanto mais puder remover as barreiras
profissionais ou pessoais, maior a probabilidade de que o outro mude
e cresça de um modo construtivo. Isso significa que o indivíduo
está vivendo abertamente os sentimentos e atitudes que fluem naquele
momento. O termo transparente expressa bem essa condição: o
indivíduo se faz transparente para o outro. O outro pode ver
claramente o que o indivíduo é na relação: o outro não se
defronta com qualquer resistência por parte do indivíduo. Do mesmo
modo que para o indivíduo, o que o outro vive pode se tornar
consciente, pode ser vivido na relação e pode ser comunicado se for
conveniente. Portanto, dá-se uma grande correspondência, ou
congruência, entre o que está sendo vivido em nível profundo, o
que está na consciência e o que está sendo expresso pelo outro.
Congruência é definida como o grau de exatidão entre
a experiência da comunicação e a tomada de consciência. Ela se
relaciona às discrepâncias entre experienciar e tomar consciência.
Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que
você está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em
seu campo) e a tomada de consciência (o que você está percebendo)
são todas semelhantes. Suas observações e as de um observador
externo seriam consistentes.
A incongruência ocorre quando há diferenças entre a
tomada de consciência, a experiência e a comunicação desta. É
definida não só como inabilidade de perceber com precisão mas
também como inabilidade ou incapacidade de comunicação precisa.
Quando a incongruência está entre a tomada de consciência e a
experiência, é chamada de repressão. A pessoa simplesmente não
tem consciência do que está fazendo. Quando a incongruência é uma
discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação a
pessoa não expressa o que está realmente sentindo, pensando ou
experienciando.
A segunda atitude importante na criação de um clima
que facilite a mudança é a aceitação, o interesse e a
consideração – aceitação incondicional. Quando o indivíduo
está tendo uma atitude positiva, aceitadora, em relação ao que
quer que o outro seja naquele momento, a probabilidade de ocorrer um
movimento de mudança aumenta. O indivíduo que deseja que o outro
expresse o sentimento que está ocorrendo no momento, qualquer que
seja ele – confusão, ressentimento, medo, raiva, coragem, amor ou
orgulho. O indivíduo tem uma consideração integral e não
condicional pelo cliente, daí porque se faz necessário que a pessoa
esteja aberta a tudo o que o outro tem a dizer para poder
compreende-lo plenamente e se fazer compreendido.
O
terceiro aspecto facilitador da relação é a compreensão empática.
Com isso quero dizer que o indivíduo capta com precisão os
sentimentos e os significados pessoais que o outro está vivendo e
comunica essa compreensão a ele. Quando está em sua melhor forma, o
indivíduo pode entrar tão profundamente no mundo interno do outro
que se torna capaz de esclarecer não só o significado que o outro
está consciente como também do que se encontra abaixo do nível de
consciência.
Se as pessoas são aceitas e consideradas, elas tendem a
desenvolver uma atitude de maior consideração em relação a si
mesmas. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes
possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências
internas. Mas, à medida em que uma pessoa compreende e considera o
seu eu, este se torna mais congruente com suas próprias
experiências. A pessoa torna-se então mais verdadeira, mais
genuína. Essas tendências, que são a recíproca das atitudes dos
outros, permitem que a pessoa seja uma propiciadora mais eficiente de
seu próprio crescimento. Sente-se mais livre para ser uma pessoa
verdadeira e integral.
A prática, a teoria e a pesquisa deixam claro que a
abordagem centrada na pessoa
baseia-se na confiança em todos os seres humanos e em todos os
organismos. Em cada organismo, não importa em que nível, há um
fluxo subjacente de movimento em direção à realização
construtiva das possibilidades que lhes são inerentes. Há também
nos seres humanos uma tendência natural a um desenvolvimento mais
completo e mais complexo. A expressão mais usada para designar esse
processo é a tendência realizadora,
presente em todos os organismos vivos.
A necessidade de explorar e de produzir mudanças no
ambiente, a necessidade de brincar e de se auto-explorar – todos
esses e muitos outros comportamentos são expressão dessa tendência
auto-realizadora.
Os organismos estão sempre em busca de algo, sempre
iniciando algo, sempre prontos para alguma coisa. Há uma fonte
central de energia no organismo humano. Essa fonte é uma função do
sistema como um todo, e não de uma parte dele. A maneira mais
simples de conceitua-la é como uma tendência à plenitude, à
auto-realização, que abrange não só a manutenção mas também o
crescimento do organismo.
Tendência formativa é uma
tendência sempre atuante em direção a uma ordem crescente e a uma
complexidade inter-relacionada, visível tanto no nível inorgânico
como no orgânico. O universo está em constante construção e
criação, assim como em deterioração. Este processo também é
evidente no ser humano.
Qual o papel desempenhado por nossa consciência nessa
função formativa? A capacidade de prestar atenção consciente
parece ser uma das mais recentes etapas evolutivas da espécie
humana. Essa capacidade pode ser caracterizada como um pequeníssimo
pico de consciência, de capacidade de simbolização, no topo de uma
vasta pirâmide de funcionamento não consciente do organismo. Tudo
indica que o organismo humano vem progredindo em direção a um
desenvolvimento cada vez mais pleno da consciência.
Havendo maior autoconsciência torna-se possível uma
escolha mais bem fundamentada, uma escolha mais livre de introjeções,
uma escolha consciente mais em sintonia com o fluxo evolutivo. Essa
pessoa está potencialmente mais consciente, não só dos estímulos
como também das idéias e sonhos, do fluxo de sentimentos, emoções
e reações fisiológicas advindas do seu interior. Quanto maior essa
consciência, mais a pessoa flutuará segura numa direção afinada
com o fluxo evolutivo.
Portanto, essa abordagem dá ênfase a relações
interpessoais e ao crescimento que delas resulta, centrado no
desenvolvimento da personalidade do indivíduo, em seus processos de
construção e organização pessoal da realidade, e em sua
capacidade de atuar, como pessoa integrada. Dá-se igualmente ênfase
à vida psicológica e emocional do indivíduo e à preocupação com
a sua orientação interna, com o auto conceito, com o
desenvolvimento de uma visão autêntica de si mesmo, orientada para
uma realidade individual e grupal.
Como essa abordagem concebe o homem, o conhecimento, a
educação, a escola, o processo ensino-aprendizagem, a relação
professor-aluno, a metodologia e a avaliação do aluno?
O homem é considerado como uma pessoa situada no mundo.
É único, quer em sua vida interior, quer em suas percepções e
avaliações do mundo. A pessoa é considerada em processo contínuo
de descoberta de seu próprio ser, ligando-se a outras pessoas e
grupos. O homem não nasce com um fim determinado, mas goza de
liberdade plena e se apresenta como um projeto permanente e
inacabado. Não é resultado, cria-se a si próprio. É, portanto,
possuidor de uma existência não condicionada a
priori . A crença na fé e a confiança na
capacidade da pessoa, em seu próprio crescimento, constituem o
pressuposto básico da teoria rogeriana.
A experiência pessoal e subjetiva é o fundamento sobre
o qual o conhecimento é construído, no decorrer do processo do
vir-a-ser da pessoa humana. É atribuído ao sujeito, portanto, papel
central e primordial na elaboração e criação do conhecimento. Ao
experienciar, o homem conhece. A experiência constitui, pois, um
conjunto de realidades vividas pelo homem, realidades essas que
possuem significados reais e concretos para ele e que funciona, ao
mesmo tempo, como ponto de partida para mudança e crescimento, já
que nada é acabado e o conhecimento possui uma característica
dinâmica.
A educação tem como finalidade primeira a criação de
condições que facilitem a aprendizagem do aluno, e como objetivo
básico liberar a sua capacidade de auto-aprendizagem de forma que
seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto
emocional. Seria a criação de condições nas quais os alunos
pudessem tornar-se pessoas de iniciativa, de responsabilidade, de
autodeterminação, de discernimento, que soubessem aplicar-se a
aprender as coisas que lhes servirão para a solução de seus
problemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com
flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, servindo-se
da própria experiência, com espírito livre e criativo. Tudo que
estiver a serviço do crescimento pessoal, interpessoal ou
intergrupal é educação.
Em relação a escola, o princípio básico consiste na
idéia da não interferência com o crescimento da criança e de
nenhuma pressão sobre ela. Se faz necessário o estabelecimento de
um clima de aprendizagem, de compromisso, até que seja possível uma
inteira liberdade para aprender.
O ensino está centrado na pessoa (primado do sujeito),
o que implica técnicas de dirigir sem dirigir, ou seja, dirigir a
pessoa à sua própria experiência para que, dessa forma, ela possa
estruturar-se e agir. A não-diretividade consiste num conjunto de
técnicas que implementa a atitude básica de confiança e respeito
pelo aluno.
A não-diretividade pretende ser um método não
estruturante do processo de aprendizagem, pelo qual o professor se
abstém de intervir diretamente no campo cognitivo e afetivo do
aluno, introduzindo valores, objetos etc, constituindo-se apenas num
método informante do processo de aprendizagem do aluno, pelo qual o
professor não dirige propriamente esse processo, mas apenas se
limita a facilitar a comunicação do estudante consigo mesmo, para
ele mesmo estruturar seu comportamento experiencial.
O professor é, primariamente, uma personalidade única.
É considerado como um único ser humano que aprendeu a usar-se
efetiva e eficientemente para realização de seus próprios
propósitos e os da sociedade, na educação de todos. Cada professor
desenvolverá seu próprio repertório de uma forma única,
decorrente da base perceptual de seu comportamento. O processo de
ensino irá depender do caráter individual do professor, como ele se
inter-relaciona com o caráter individual do aluno. A competência
básica consistiria, unicamente, na habilidade de compreender-se e de
compreender ou outros.
A autenticidade e a congruência são consideradas
condições facilitadoras da aprendizagem, as quais, por sua vez,
irão facilitar um processo de autenticidade ou congruência na
pessoa ajudada. Isso implica que o professor deva aceitar tal como é
e compreender os sentimentos que ele possui.
Para Rogers, quando consideramos as características
políticas da educação, percebe-se que o modelo tradicional
situa-se num dos pólos de um conjunto que tem em seu pólo oposto
uma abordagem centrada na pessoa.
Na abordagem tradicional: 1. Os professores são os
possuidores de conhecimento, os alunos são os supostos recipientes;
2. A aula expositiva, ou outros recursos de instrução verbal, é o
principal recurso para incutir conhecimentos nos alunos. Os exames
medem o quanto eles o adquiriram; 3. Os professores são os
detentores do poder, os alunos os que obedecem. O controle é sempre
exercido de cima para baixo; 4. Dominar através da autoridade é a
política vigente em sala de aula. A figura de autoridade – o
professor – é a figura central na educação; 5. A confiança é
mínima; 6. Os sujeitos (alunos) são mais bem governados se mantidos
num estado intermitente ou constante medo; 7. A democracia e seus
valores são ignorados na prática. Os alunos não participam da
escolha de suas metas, currículos ou estilos de estudos individuais.
Escolhe-se por eles; 8. Não há lugar para pessoas inteiras no
sistema educacional, só há lugar para seus intelectos.
Por sua vez, a abordagem centrada na pessoa se apresenta
como oposta a anterior. 1. Pré-condição: Os líderes, ou pessoas
percebidas como representantes da autoridade na situação, são
seguras interiormente e em seus relacionamentos pessoais, de modo a
confiarem na capacidade das outras pessoas de pensar, sentir e
aprender por si mesmas; 2. As pessoas facilitadoras compartilham com
as outras – os estudantes, e se possível também os pais ou
membros da comunidade – a responsabilidade pelo processo de
aprendizagem; 3. Os facilitadores oferecem recursos de aprendizagem –
de dentro de si mesmo, de suas próprias experiências, de livros ou
de outros materiais ou de experiências da comunidade; 4. Os
estudantes desenvolvem seus próprios programas de aprendizagem,
individualmente ou em cooperação; 5. Cria-se um clima facilitador
da aprendizagem; 6. O foco da aprendizagem é, primordialmente, a
promoção da continuidade do processo de aprendizagem; 7. A
disciplina necessária à consecução das metas dos estudantes é a
autodisciplina, e é reconhecida e aceita pelos alunos como de sua
responsabilidade. A autodisciplina substitui a disciplina externa; 8ª
avaliação da extensão e do significado da aprendizagem de cada um
é feita primordialmente pelo próprio aluno; 9. Neste clima de
promoção do crescimento, a aprendizagem tende a ser mais profunda,
processar-se mais rapidamente e ser mais penetrante na vida e no
comportamento dos alunos que a aprendizagem realizada na sala de aula
tradicional.