quinta-feira, 13 de março de 2014

OS LIVROS, OS TABLETS E AS CÓPIAS


OS LIVROS, OS TABLETS E AS CÓPIAS
Josenildo Silva de Souza1

Admiro os livros desde o primeiro momento em que os vi e folhei-los. Percebi, de imediato, o que eles tinham a me oferecer em termos de conhecimento e sabedoria. Me causava inveja vê-los sendo lidos e apreciados por leitores, atentos, concentrados, disciplinados e críticos. Quisera, eu, poder fazer o mesmo com tanta maestria e prazer.
Livros não foram feitos para ficar nas estantes das bibliotecas, sejam elas particulares ou públicas, ou até mesmo enfeitando a sala de estar! Muito menos ser propriedade individual. Devem ser compartilhados! Neles estão ideias desde as mais simples até aquelas elaboradas com maior rigor científico, filosófico, religioso e literário.
Livros são como nossos pais, irmãos, amigos, mestres que nos guiam por caminhos seguros por onde pretendemos ir. São indispensáveis e de fundamental importância na nossa vida, na nossa formação, seja ela acadêmica, profissional ou pessoal. Tem livro pra todo o gosto! Inclusive os que atende as fantasias sexuais de homens e mulheres.
Eles foram inventados para registrarem de uma maneira mais duradoura a saga da história da humanidade, seus percursos e percalços. Eles devem ser lidos e nada mais do que isso. Tirá-los das estantes e se apropriar do seu conteúdo, o quanto antes, é nosso direito e dever! Com livros nas mãos o leitor se torna mais respeitado e admirado, seja ele estudante, professor ou não. Seu valor não diminui com o tempo. Não viram sucata!Não têem vida curta! Muito pelo contrário! Se tornam mais valorizados. Não foi à toa que um deles da área de botânica foi roubado da biblioteca do Instituto de Botânica do Estado de São Paulo, cujo valor é incalculável.
Ao andar na rua com um livro, o leitor não correrá o risco de se deparar com alguém que fica na espreita para assaltar, ou roubar. Pois ele não é alvo de cobiça pelo alheio por parte dos transeuntes, meliantes, assaltantes que circulam pelas cidades, muito menos pode ser trocado por qualquer substância entorpecente. Ninguém vai trocar livro por droga! Nesse caso específico, ele não tem valor de mercado. O livro tem o meio mais eficiente de pesquisa inventado pelo homem, o índice! Suas páginas são numeradas em ordem crescente e facilmente podem ser folheadas com um leve toque dos dedos, tal como os mais sofisticados tablets.
Os tablets, por sua vez, dizem alguns, veio substituir o livro. Creio que não é bem assim, apesar dos fissurados pelas novas tecnologias acreditarem veementemente nisso. De acordo com Sylvio Montenegro, “afirmar peremptoriamente que o tablet vai substituir o livro é no mínimo leviandade. Pois nos tablets, pode-se armazenar uma biblioteca inteira vários e vários livros podem ser armazenados em um único meio! Porém, mas nada será como o livro: único, soberano, acompanhante silencioso que conta a história da saga humana sobre o globo, desde a invenção da escrita! Os tablets, por sua vez, têem funções que vão além daquelas que o livro pode oferecer. É um instrumento que tem recursos muito mais sofisticados. Disso não temos dúvida! Porém, estão num processo de inovação tecnológica contínua e, quem não acompanhar esse processo, parecerá bizarro se portar um desatualizado no meio da rua, em praça pública. O tempo de vida dos tablets que vai do processo de produção nas fábricas às lojas e das lojas até o lixo é cada vez curto e, também, tem um agravante! Não pode ser jogado em qualquer depósito de lixo! Pois, pode causar danos à saude ao meio ambiente! Esse processo de atualização constante que esse dispositivo tecnológico exige, pode levar os consumidores da necessidade de usá-los, até ao vício compulsório. Se, por acaso, qualquer um de nós dar de presente um tablet a alguém, saberá, em pouco tempo, que o seu valor durará até o próximo lançamento. O presente dado com carinho, logo, logo se destinará ao lixo. Assim, me responda a uma só pergunta: você conhece alguém que já leu um livro este mês, ou este ano em seu tablet?
Se os livros não vão ser substituídos pelos tablet o que dizer, então, das cópias que estão circulando nas sala de aula, das escolas e Universidades? Após serem usadas elas têem um destino trágico. Ao usá-las, isto é, lê-las, não podem ser guardadas da mesma forma que os livros e nem é objeto de consumo como os tablets. Elas se quer enfeitam as estantes. Muito pelo contrário! Viram um amontoado de papel que dar nojo até em vê-los. Livramos delas o quanto antes para não acumulá-las. Elas se assemelham aqueles bens de consumo descartáveis que usamos para obter prazer rápido e logo em seguida os destinamos ao depósito de lixo e com uma certa dose de prazer. O depósito de lixo será o seu fim!



1Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A PALAVRA NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA


A PALAVRA NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA 1

Josenildo Silva de Souza2

Palavras são palavras e a gente nem percebe
O que disse sem querer e o que deixou pra depois
(Um jeito estúpido de ser - Roberto Carlos)
INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a relação linguagem e consciência a partir dos estudos de Alexandr Romanovich Luria (1902-1977) que foi contemporâneo de Vygotsky e, com ele trabalhou no laboratório de psicologia marxista na Rússia desde o início do século XX até meados do década de setenta do mesmo século. Trata-se de um resgate das principais idéias desenvolvidas por este estudioso no livro “Pensamento e Linguagem: as últimas conferências de Luria”.
Os estudos sobre a relação entre pensamento e linguagem desenvolvidos nas primeiras décadas do século XX, por Piaget e Vygotsky, são de fundamental importância para o entendimento da formação da consciência humana. Nosso propósito aqui não é fazer um resgate das contribuições desses autores, confrontá-las e tomar uma posição sobre elas, mais sim, entender o papel que a palavra exerce na formação da consciência humana. Ou seja, entender como a aquisição da palavra pelo indivíduo contribui para formação de sua consciência, que lhe permite sair dos limites do reflexo imediato sensorial da realidade e formar capacidade de refletir o mundo em suas relações complexas e abstratas. O referido trabalho foi elaborado para a disciplina Fundamentos da Linguagem no Programa PARFOR.

Relação entre trabalho e linguagem

Para explicar as formas mais complexas da vida consciente do homem é imprescindível sair dos limites do organismo, buscar as origens desta vida consciente e do comportamento categorial, não nas profundidades do cérebro ou alma, mas sim, nas condições externas da vida e, em primeiro lugar, da vida social, nas formas histórico-sociais da existência do homem.
O homem se diferencia do animal pelo fato de que, com sua passagem à existência histórico-social, ao trabalho e as formas da vida social a elas vinculadas, mudaram radicalmente todas as categorias fundamentais do seu comportamento.
As origens da consciência humana não devem ser buscadas nas profundidades da alma, nem nos mecanismos cerebrais, mas sim nas relações que os homens estabelecem com a realidade, em sua história social, estreitamente ligadas com o trabalho e a linguagem.
Segundo Luria, “ a linguagem é um complexo sistema de códigos, formado no curso da história social”. O elemento fundamental deste sistema de códigos que o homem construiu ao longo de sua história social é a palavra. Ela, “ designa as coisas, individualiza suas características. Designa ações, relações, reúne objetos em determinados sistemas...a palavra codifica nossa experiência” (p.27)
Sobre o nascimento da palavra e da linguagem na pré-história só é possível fazer suposições. Contudo, a palavra como signo que designa um objeto, surge do trabalho, das ações com objetos, e que é na história do trabalho e da comunicação onde se deve buscar as raízes do surgimento da primeira palavra
A palavra, nascida do trabalho e da comunicação por este gerada, nas primeiras etapas da história encontrava-se estreitamente enlaçada com a prática. Nestas circunstância, a palavra possuía um caráter simpráxico e recebia sua significação somente inserida numa atividade prática concreta.
Para Malinovski, “a linguagem de alguns povos, que estão num nível baixo de desenvolvimento cultural, é difícil de entender sem o significado da situação na qual se pronunciam as palavras dadas”.
Toda história posterior da linguagem, é a história da emancipação da palavra do terreno da prática, da separação da fala como atividade autônima e seus elementos como um sistema autônomo de códigos.
A linguagem como sistema sinsemântico é um sistema de signos que estão enlaçados uns aos outros por seus significados e que formam um sistema de códigos que podem ser compreendidos, inclusive, quando não se conhece a situação. Toda história da linguagem consiste na passagem desde o contexto simpráxico de entrelaçamento da palavra com a situação prática, até a separação da linguagem como sistema autônomo de códigos.
Sabemos muito sobre a origem da palavra na ontogênese, no desenvolvimento da criança pequena. O desenvolvimento linguagem na ontogênese da criança não transcorre dentro do processo de trabalho. Transcorre, isto sim, no processo de assimilação da experiência da humanidade e da comunicação com os adultos.
As primeiras palavras não nascem dos primeiros sons que a criança emite, mas sim, daqueles sons da linguagem que a criança assimila da fala do adulto que ouve .Diferentemente de seus primeiros sons, não expressam seus estados, mas sim estão dirigidas ao objeto e o designam. Essas palavras, possuem no início um caráter simpráxico, estão fortemente enlaçadas com a prática.

Estrutura semântica e função da palavra

De acordo com Luria,

a principal função da palavra é seu papel designativo...uma palavra designa um objeto, uma ação, uma qualidade, ou uma relação...referência objetal como função de representação, de substituição de objeto...a palavra que possui uma referência objetal pode tomar a forma de um substantivo, um adjetivo, uma preposição, um verbo” (p. 32)

Assim, o homem sem a linguagem, só se relacionava com as coisas que ele observava diretamente, com as quais podia manipular. Com a ajuda da linguagem, passa a se relacionar com o que não percebe diretamente e que antes não entrava em sua experiência. Assim, a palavra duplica o mundo dando ao homem a possibilidade de operar mentalmente com objetos, inclusive na ausência destes.
Da palavra nasce não só a duplicação do mundo, mas também a ação voluntária. Duplicando o mundo, a palavra assegura a possibilidade de transmitir a experiência de indivíduo a indivíduo e a possibilidade de assimilar a experiência das gerações anteriores. Desse modo, o homem não é mais obrigado a se dirigir sempre à experiência pessoal, podendo receber essa experiência dos outros, utilizando a linguagem como fonte de informação.
Com a aparição da linguagem, o homem adquire algo assim como uma nova dimensão da consciência, nele se forma imagens subjetivas do mundo objetivo que são dirigíveis, ou seja, representações que o homem pode manipular, inclusive na ausência de percepções imediatas. Isto consiste na principal conquista que o homem obtem com a linguagem.
Muitas palavras não possuem um, mas vários significados, designando objetos completamente distintos. Tais palavras chamam-se homônimos. A polissemia é, antes de tudo, uma regra da linguagem do que uma exceção. Por sua vez, a particularização do significado da palavra se realiza por marcadores semânticos e distintivos semânticos que tornam preciso o significado da palavra. Suas funções estão determinadas pela situação, pelo contexto nos quais a palavra está e, as vezes, pelo tom em que se pronuncia. A palavra quase munca possui uma referência objetal única, fixa e unissignificativa. Segundo Luria,

A escolha do significado imediato da palavra está determinada por muitos fatores, entre os quais, linguísticos e psicológicos, o contexto concreto da palavra, sua inclusão em uma situação concreta” (p.34).

A palavra não somente gera a indicação de um objeto determinado, mas também, inevitavelmente, provoca a aparição de uma série de enlaces complementares, que incluem em sua composição elementos de palavras parecidas pela situação imediata, pela experiência anterior. Tanto o processo de denominação quanto o processo de percepção da palavra na realidade deve ser examinado como um complexo processo de escolha necessário do significado imediato da palavra, entre todo o campo semântico por ela evocado.
A segunda importante função da palavra é o seu significado categorial ou conceito. Por significado categoria ou conceito, Luria entende como:

a capacidade não apenas de substituir ou representar objetos os objetos, não apenas provocar associações parecidas, mas também para analisar os objetos, substituir e generalizar suas características...introduz em um sistema de complexos enlaces e relações” (p.36)

A palavra não somente designa uma coisa, mas também, separa suas características. A palavra generaliza uma coisa, a inclui em uma determinada categoria, ou seja, possui uma complexa função intelectual de geralização”. Ao generalizar os objetos, a palavra converte-se em um instrumento de abstração e generalização, que é a operação mais importante da consciência. A palavra não é somente um meio de substituir as coisas, é a célula do pensamento porque a função mais importante do pensamento é a abstração e a generalização.
Contudo, a palavra não é apenas um instrumento do pensamento, mas também um meio de comunicação. Qualquer comunicação ou transmissão de informação, exige que a palavra não se restrinja a designar um objeto determinado, mas que também generalize a informação sobre esse objeto. A palavra não só separa as características do objeto e generaliza a coisa, incluindo em uma determinada categoria Além disso, ela executa um trabalho automático de análise do objeto que passa desapercebido para o sujeito, transmitindo-lhe a experiência das gerações anteriores, experiência acumulada na história da sociedade.
Ao nomear o objeto, o homem o analisa, e não o faz sobre a base da própria experiência concreta, mas sim, transmite a experiẽncia acumulada na história social, relacionada com as funções deste objeto e, assim, transmite o sistema de conhecimento socialmente consolidados sobre as funções deste objeto. A palavra cumpre a complexíssima função de análise ao transmitir ao xperiência formada no processo de desenvolvimento histórico.
Muitas palavras entram em um dado grupo semântico visto possuir maior disponibilidade que outras. Esta disponibilidade explica-se pelo contexto, o hábito e a frequência com que se encontra pela disposição da personalidade e sua experiência imediata.
Muitas palavras são vivenciada como incompletas e exigem uma complementação por meio de outras palavras, é que se costuma falar de algo como “valência das palavras”. As valências das palavras, são um fator complementário importante que determina a palavra necessária para uma determinada mensagem.
O desenvolvimento da palavra na criança

Como foi dito antes, toda palavra inclui em sua composição dois componentes fundamentais: a referência objetal que consiste em designar o objeto, o traço, a ação ou relação; o outro componente é o significado. Este corresponde a função de sepação de determinados traços do objeto, sua generalização e a introdução do objeto em um determinado sistema de categorias.
De acordo com as descobertas da psicologia russa, a referência objetal da palavra e seu significado não permanecem imutáveis ao longo do desenvolvimento infantil. Essa mudança, Vygotsky denominou de desenvolvimento semântico e sistêmico do significado da palavra. No desenvolvimento da criança a referência objetal e seu significado não permanecem imutáveis, mudam à medida que a criança se desenvolve. Por desenvolvimento sistêmico da palavra, entende-se que por traz do significado da palavra nas diferentes etapas do desenvolvimento da criança, encontram-se diferentes processos psíquicos.
Foi Vygotsky que primeiro ligou a questão do desenvolvimento da palavra com o desenvolvimento da consciência. Sua teoria sobre o desenvolvimento do significado semântico e sistêmico da palavra pode ser designada, ao mesmo tempo, como a teoria do desenvolvimento semântico e sistêmico da consciência. Junto ao conceito de significado na psicologia contemporânea o conceito de sentido.
Por significado, entende-se, o sistema de relações que se formou objetivamente no processo histórico e social e que está encerrado na palavra. A palavra não somente assimila um objeto determinado, mas também o analisa, intrododuzindo-o em um siatema de enlaçes e relações objetivas É assim que dominamos a experiência social, refletindo o mundo com plenitude e profundidade diferentes.
O significado, é um sistema estável de generalizaçoes que se pode encontrar em cada palavra, igualmente para todas as pessoas. Pode ter diferentes graus de profundidade, diferentes graus de generalização, diferentes amplitude de alcance dos objetos por ele designado, mas, conserva um núcleo permanente.
Por sentido da palavra entende-se, significado individual da palavra, separado do sistema objetivo de enlace que a envolve. Este tem relação com o momento e a situação dados. A mesma palavra possui um significado formado objetivamente ao longo da história e que, em forma potencial, conserva-se para todas as pessoas, refletindo as coisas com diferente profundidade e amplitude.. Porém, cada palavra tem um sentido, que entende-se como a separação daqueles aspectos ligados à situação dada e com as vivências afetivas dos sujeitos. O sentido, é o elemento fundamental da utilização viva, ligada a uma situação concreta afetiva, por parte do sujeito.
Na criança de 3,5-4 anos, já está suficientemente formada a referência objetal da palavra. Isso não significa dizer que a esta idade esteja acabado o desenvolvimento da função designativa da palavra. No período que vai desde a metade do primeiro ano de vida até 3,5-4anos, pode-se observar a complexa história do desenvolvimento da função designativa da palavra, sua referência objetal. Podemos acompoanhar o desenvolvimento da referência objetal da palavra analisando como a criança compreende as palavras e como as utiliza analisando a linguagem passiva e ativa da criança. A referência objetal da palavra só se forma gradualmente, que no início, entrelacam-se com esta rferência objetal da palavra certos fatores não verbais, simpráxicos, ou seja, que a criança utiliza as palavras em função de uma série de fatores complementares, situacionais que mais adiante deixam de influenciar.

BIBLIOGRAFIA

LURIA, A. R. A palavra e sua estrutura semântica. In: Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
LURIA, A. O desenvolvimento do significado das palavras na ontogênese. In: Pensamento e Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
1Texto elaborado para disciplina Fundamentos da Linguagem
2Professor da Disciplina Fundamentos da Linguagem

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Orientação


A ORIENTAÇÃO

Josenildo Silva de Souza1

Desesperado, aflito e preocupado um aluno procura um professor para orientá-lo a fazer o trabalho de conclusão de curso – popularmente denominado TCC. Ao entrar na sala na qual se encontra o professor o aluno, de imediato, pergunta:

- Professor! Estou precisando de um professor-orientador para elaborar o TCC. O senhor pode me orientar?
- Depende! Responde o professor.
- Qual o seu tema? Pergunta o professor.
- Não tenho um tema definido ainda. Responde de alto e bom som o aluno.
- Assim fica difícil me caro! É muito complicado orientar um aluno que chega no final do curso nas condições em que você se encontra! Mas, podemos tentar! Para começar, pense num tema no qual você gostaria de desenvolver seu trabalho, faça as primeiras leituras sobre ele e me traga algo escrito sobre o que você leu.

Diálogo como esse entre o professor e o aluno tem se tornado recorrente no cotidiano das instituições de ensino, especificamente, nas universidades. Os alunos chegam nos últimos semestres do curso sem ter definido o seu orientador e, muito menos, o tema que será desenvolvido no trabalho. Situações como essas deixam os professores perplexos, bem como, a refletirem sobre como orientar seus alunos a elaborar o TCC nas condições acima referidas. O TCC é um trabalho que pode ser elaborado em forma de artigo ou monografia. É ele um dos requisitos necessários para que o aluno possa concluir seu curso, quer queira ele ou não. Contudo, o TCC, parece mais assustar do que empolgar. Será que é devido ao fato de sua sigla parecer com aquela de uma das maiores facções criminosas do país? Obviamente que não!
Geralmente, os alunos chegam no último semestre sem nunca ter feito um artigo ou monografia, uma vez que boa parte dos professores não inserem essas atividades com um dos critérios fundamentais para avaliação do aluno nas disciplinas por eles ministradas. As explicações para esse fato variam desde número excessivo de alunos em sala de aula, até falta de tempo, por parte do professor para dar conta da leitura dos trabalhos pois, tanto ele quanto os alunos, têm outras disciplinas e não sobra tempo suficiente para nenhum dos dois. Convence? Não!
Há casos em que o aluno se quer escolheu o tema e, quando escolhe, não tem leitura suficiente para dominá-lo teoricamente ou, se quer, superficialmente. Portanto, ele não será capaz de produzir um texto dissertativo sobre o que leu e pesquisou. A não ser aquele de mentirinha! Isso demonstra um problema grave na formação deste aluno. Como uma atividade acadêmica pode ser exigida no final do curso, se ao longo da formação o aluno não vivencia outras atividades pedagógicas que pudessem aproximá-lo daquela que será exigida no final? Em outras palavras, o aluno vai ter que fazer num espaço de tempo, relativamente curto, o que deveria fazer ao longo de sua formação. Isso leva, necessariamente, aos envolvidos no processo, tanto o aluno quanto o professor orientador, a conceber a atividade de elaboração do artigo ou monografia como mero episódio e, como todo episódio, não tem passado, nem futuro. É o instante que o define. É um acontecimento solto. Um fato isolado.
Por sua vez, um outro problema se apresenta. Tendo escolhido o tema, tendo feito leituras sobre ele e algo mais, o aluno muitas vezes escolhe como orientador um professor que não tem afinidades teóricas com o tema escolhido e, nesse caso, pouco pode oferecer uma vez que na construção de um artigo ou monografia, deve haver diálogo teórico, debate, confronto de ideias e coisas do gênero entre o orientador e o aluno e, quando isso não ocorre, por falta de familiaridade com o tema de uma ou ambas as partes, o resultado não poderia ser outro se não um papo de surdo e mudo, uma roda de conversa fiada, improdutiva na qual não há aprofundamento e, sim, superficialidade nas reflexões.
Uma quarta explicação seria a falta de articulação entre as disciplinas de cada período, bem como as de períodos diferentes o que leva, muitas vezes, os alunos a considerarem que o conteúdo de uma delas se encerra nela mesma e não está relacionada com as demais revelando, assim, uma prática pedagógica extremamente fragmentada incapaz de promover a tão almejada interdisciplinaridade que poderia se concretizar no artigo e ou na monografia. Não vamos entrar aqui na discussão sobre a pertinência dessas questões, muito embora tenhamos consciência da sua existência.
Voltemos, então ao encontro do aluno com o orientador. Dias depois do primeiro contato com o professor, o aluno volta a se encontrar com ele para dar, então, início aos encontros de orientação, bem como estabelecer um cronograma de atividades a ser desenvolvido por eles. Nesse encontro o professor pergunta:
- E ai? Definiu o tema? O que trouxe escrito sobre ele? Pergunta o professor.
- Bom professor! Pouca coisa! Pois, como havia dito no nosso primeiro encontro não tenho muita leitura. Foi o que pude fazer. Responde o aluno e, logo em seguida, entrega o trabalho ao professor.
- Vou ler e tecer comentário. Diz o professor. Após a leitura do trabalho o professor indaga:
- O que o fez escolher o tema? Quais as razões de ordem teórico-prática motivaram sua escolha? Qual a relevância teórico-prática do trabalho que você pretende fazer?
Essas perguntas deixaram o aluno quase que paralisado. Sem ter o que responder de imediato ele descobriu, em função das perguntas formuladas, o quão difícil será o caminho que irá trilhar até concluir o seu trabalho. Percebendo a situação complicada em que meteu o aluno, o professor logo se encarrega de explicar a natureza e o teor de suas perguntas. Diz ele:
Meu caro, a escolha do tema é de importância fundamental, pois dela dependerá o bom êxito do trabalho a ser desenvolvido por você. É necessário verificar se há possibilidades de se elaborar um bom trabalho sobre esse tema. Não se pode escolher um tema a esmo, sem cautela e o devido cuidado. Essa verificação começa pela bibliografia a respeito do assunto, pois o acesso a uma boa bibliografia é requisito indispensável. Não deve ser fácil demais nem muito complexo. Pois, deve ser adequado a capacidade intelectual daquele que vai realizá-lo. Além disso, deve ser relevante, apresente alguma utilidade, alguma importância prática ou teórica. É necessário que ele seja trabalhado a partir de um ponto de vista original, trazer alguma contribuição nova, algo que ainda não foi dito sobre o assunto. Nesse ponto, percebe-se que o professor chama a atenção do aluno sobre a importância do tema.
Além disso, continua o professor, o tema precisa ser delimitado, ou seja, é necessário fixar sua extensão, abrangência e profundidade. Para tanto, é indispensável conhecer, genericamente, o assunto. Assim fica mais fácil delimitar o tema após algumas leituras exploratórias. Procurar fixar circunstâncias de tempo e espaço, bem como políticas, sociais, etc é de fundamental importância. Portanto, conclui o professor, delimitar o tema implica selecionar um de seus aspectos, limitando a escolha a um deles, de modo que o assunto seja tratado com suficiente profundidade.
Após esses esclarecimentos, o professor sugere, então, que o aluno caia em campo em busca de uma bibliografia que trate do tema por ele escolhido. Além disso, sugere, ainda, que ele procure, ao máximo, criar as condições teórico-prática para delimitá-lo.
Após esse encontro com o professor, o aluno começa a por em prática tudo que lhe foi sugerido. Procura na biblioteca da universidade os possíveis livros que tratam do tema em questão. Busca na internet artigos e textos em revistas especializadas na temática. Leva-os para casa e dar início a leitura do referencial teórico obtido. Confuso sem saber por onde começar, o aluno toma a iniciativa telefonar e enviar um e-mail ao professor solicitando algumas orientações de como proceder nas leituras. Marcam, então, um encontro para esclarecimento das dúvidas.
Percebendo o empenho do aluno, o professor, então, sugere que ele deve começar pelas obras que tratam o tema de uma maneira mais geral e das obras que serão objetos das leituras e anotações. É necessário fazer um levantamento delas, recomenda o professor. Além disso, explica que a leitura prévia, possibilitará uma seleção das obras que passarão pela leitura seletiva. Nela serão localizadas as obras, capítulos ou partes que contém informações úteis.
Após a recomendação, acima, o professor alerta o aluno sobre o tipo de leitura que ele deve fazer. Explica que a leitura crítica ou reflexiva permitirá a apreensão das ideias fundamentais de cada texto. Pode-se considerar, que esta é a fase mais demorada da pesquisa bibliográfica, pois as anotações devem ser feitas somente após a compreensão e apreensão das ideias contidas no texto. Após a seleção e classificação de todo material levantado na pesquisa bibliográfica, executa-se a etapa seguinte. Antes da elaboração da etapa seguinte o professor é surpreendido com um insigth que o aluno teve. Ao ler os textos aluno constata que os autores que abordam o tema que ele escolheu têm concepções diferente sobre o assunto e, mais ainda, em muitos aspectos, são contraditórios. Há os que analisam com profundidade e aqueles negligenciam nesse aspecto. Pôs-se, então, questioná-los, a problematizá-los. Essa problematização lhe permitiu formular o problema da pesquisa. Todo e qualquer conhecimento mais sistematizado começa quando problematizamos o que está diante dos nossos sentidos. Ou seja, quando não naturalizamos a nossa existência. A ciência e a filosofia só avançam quando novas questões são postas aos homens pela realidade. Após essa constatação o aluno caiu em campo em busca de respostas para os problemas por ele levantado.
O passo seguinte na orientação foi a elaboração do esboço ou plano provisório da redação. É necessário saber o que o trabalho vai realizar. Antes elaborar um plano de redação, imaginar o tipo de abordagem, os tópicos que serão focalizados e quais os que merecerão maior ênfase, como se pretende conduzir o desenvolvimento, isto é, em quantas partes o texto será dividido, quais os elementos que poderão ser utilizados na argumentação.
A cada recomendação do professor-orientador, o aluno segue a risca sem fraquejar demostrando o quanto está envolvido no trabalho. Os dias de encontros são realizados de acordo com o estabelecido entre eles no cronograma de atividades na busca contante de expor as dúvidas bem como superá-las. O resultado não poderia ser outro, se não, um trabalho bastante adiantado e preste a chegar à reta final.
Percebendo o bom andamento do trabalho, o professor sugere ao aluno um planejamento acerca de sua estruturação, isto é, um plano o mais minucioso possível, indicando as partes, os tópicos, os elementos que constarão nas diferentes partes do trabalho e explica: a redação de um trabalho não precisa, necessariamente, começar pela introdução. Um plano de redação bem detalhado torna possível redigir o trabalho por partes, para depois ordená-lo convenientemente. A primeira redação deve sofrer críticas e revisões, até chegar-se a uma versão final. Em hipótese alguma a primeira redação pode ser dada como definitiva; é indispensável a redação prévia das partes e outra redação global do trabalho. Esta poderá ser revista, criticada, uma ou duas vezes, para que se possa considerá-la como definitiva.
Em seguida, o professor sugere uma revisão do conteúdo do trabalho e da redação, chamando a atenção para a necessidade de uma leitura crítica, para a revisão geral do conteúdo e das ideias expressas no texto. Os conceitos, a clareza das ideias, a lógica da argumentação, a articulação e o equilíbrio entre as partes também devem ser objeto de avaliação para revisão.
Diante das sugestões e recomendações do professor-orientador, o aluno começa a se dar conta do que fez e da possibilidade de marcar mais um encontro para conclusão do trabalho e prepará-lo para à exposição junto a uma banca examinadora composta por três membros. Espera-se que a desenvoltura do aluno na elaboração do TCC possa se efetivar, também, no momento de sua exposição para que ele possa concluir o seu curso com sucesso. Mas isso é outra história!!!!



1Professor do Curso de Pedagogia da UVA

Pesquisar e Lavar Roupa Suja


PESQUISAR E LAVAR ROUPA SUJA

Josenildo Silva de Souza

Pra onde vai com essa trouxa, nada nada, Mariá?
Na cacimba só tem água pra beber
Pouca água deixa a roupa mal lavada Mariá
Lavar roupa também tem o que aprender
(Catuaba com Amendoim)

Em plena tarde de segunda feira, eu estava deitado em minha rede. Não lembro, ao certo, em que data se deu. Mas, isso não importa. O que importa, afinal, foi exatamente o que aconteceu. Há os que consideram a segunda feira o dia em que temos que repor as peças estragadas pelos excessos cometidos no final de semana. Outros são mais extravagantes, ao ponto de considerar que esse dia não deveria se quer existir. Há momentos em que concordo ora com os primeiros, ora com os segundos. Contudo, foi nesse dia que me ocorreu um fato extraordinário, inimaginável, até então.
Dona Joaninha, uma gentil senhora que eu contrato para me prestar seus excelentes e indispensáveis serviços, chegou na minha residência por volta das 13:30 hs a procura de trabalho para fazer naquela dia. Todos, que me conhecem, sabem que não sou muito amistoso à ideia de atender, seja lá quem for, antes das 14:00 hs e, mais ainda, numa segunda feira. Sem me dar conta, eu havia deixado a porta do meu apartamento fechada só no trinco. Como ela tinha o hábito de bater na porta e ir logo entrando, não tive tempo de deixá-la esperando por alguns instantes ou tomando um chá de cadeira na linguagem popular. Só sei que tive de atendê-la. Há um ditado popular que diz que há males que vem para o bem. E não é que é verdade!
Dona Joaninha, ao me procurar, queria saber se eu tinha alguma roupa suja para lavar pois ela estaria pronta para prestar-me seus excelentes e indispensáveis serviços, tal como disse anteriormente. Pois bem! Eu disse a ela, mentindo evidentemente, que ela tinha chegado em boa hora e que tinha sim roupas sujas para serem lavadas, o que a deixou muito feliz. Afinal, ela não se queixa da quantia, em dinheiro, que eu pago por esses serviços.
Naquele dia, eu estava muito preocupado com o conteúdo da disciplina Princípios e Métodos na Pesquisa Educacional que, na ocasião, eu estava ministrando no 5º período do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú. A minha preocupação, era decorrente das dificuldades encontradas pelos alunos em compreenderem os textos que eu havia selecionado para levar a bom termo a compreensão do que seria uma pesquisa e, especificamente, pesquisa educacional. Talvez o erro da escolha dos textos tenha sido meu e não dos alunos. Eu tenho uma dificuldade enorme em atribuir aos outros os erros que cometo. Por isso, me pus a refletir sobre o que estava acontecendo. Por que estava sendo tão difícil trabalhar aqueles textos em sala de aula? Como levar os alunos a compreenderem o que é pesquisa educacional com textos que eles apresentavam dificuldades de compreensão? O que eu deveria fazer naquela situação? Perguntas como essas e outras atormentavam a minha cabeça, me deixavam sem dormir! Me lembrei, na ocasião, de um trecho da letra de uma canção de Raul Seixas na qual ele diz: “eu que não me sento no trono do apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar...”. 1
Antes que a morte chegasse, uma luz iluminou o meu caminho! Comecei a observar o trabalho de Dona Joaninha. Ela tinha algo a fazer! E esse algo a fazer começou com uma pergunta. Vamos ao diálogo que eu estabeleci com ela:
  • Professor! O senhor tem roupa suja para que eu possa lavar? Foi a pergunta que ela me fez.
  • Tenho sim, Dona Joaninha! Eu disse.
  • Posso lavar, agora? Uma segunda pergunta.
  • Claro que sim! Foi minha resposta.

Nosso diálogo foi muito breve, como vocês puderam ver. Pois, “quando se sabe ouvir não precisa muitas palavras” 2. Como se pode ver, a natureza do nosso encontro e diálogo se deu em função da insistência de Dona Joaninha em responder uma única pergunta, qual seja: saber se tinha roupa suja para lavar. Toda e qualquer pesquisa começa por uma pergunta, um problema que os homens precisam responder. Esses problemas não surgem na cabeça dos homens ao acaso. Surgem a partir dos problemas que a realidade concreta disponibiliza para os homens ou, evidentemente, quando eles problematizam a realidade. Não se pode fazer pesquisa quem não tem um problema a resolver. Essa foi a primeira lição que aprendi naquela segunda feira.
Diante da resposta positiva que recebeu, Dona Joaninha começou a trabalhar. A cada ação, gesto cometido por ela, meus olhos ficavam atentos, observando. Afinal, foi Aristóteles quem fez, pela primeira vez, essa afirmação: “nada está na mente humana, sem antes ter passado pelos órgãos dos sentidos. Os órgãos dos sentidos é a porta de entrada de todo e qualquer conhecimento”.
Dona Joaninha começou a juntar as roupas sujas. Procurou em todos os lugares onde elas poderiam estar. Juntou tudo! Juntou uma montanha de roupas! Na linguagem da pesquisa científica isso significa: coletou dados, informações onde quer que elas se encontrassem. Não parou de juntá-las até o momento em constatou que todas, ou parte delas, estavam ali naquele amontoado.
Após juntar tudo, ela começou a separá-las. Num canto ela colocou as peças pequenas. Noutro, as peças grandes. Separou, ainda, as roupas brancas das de cor. Enfim, separou aquelas que poderiam ser lavadas rapidamente, daquelas que levaria mais tempo. Retomo, novamente, a linguagem da pesquisa científica. As peças pequenas correspondem aquelas fontes de informações que poderiam fornecer dados relevantes mas superficiais, sem profundidade. Bem diferente das peças grandes, que correspondem a dados e informações preciosas, fundamentais que exigem mais trabalho, mais empenho para estar prontas para serem incorporadas ao trabalho. As roupas de cor exigem um cuidado especial. Nelas são não usadas alvejantes, se não,borra tudo, o que as deixa irreconhecíveis. Na pesquisa isso se reflete no tipo de procedimento de pesquisa que é adotado para a obtenção dos dados o pode provocar um certa resistência em fornrcer as informações necessárias. Já as roupas brancas, o mesmo não ocorre. Quanto mais alvejante mais limpa ficam. Em termos metodológicos, isso significa que quanto mais indagamos mais tornamos esclarecidas as investidas nas informações obtidas. Ela sabia exatamente como se conduzir diante dos elementos que tinham a disposição. Diante das informações e dados que temos em mãos temos que ter consciência do que fazer com eles. Do contrário, vamos misturar tudo e o resultado não vai ser nada agradável. Ela estava me ensinando isso!
Sua genialidade não parava aqui. Ela preparou todos os elementos e recursos que precisava para dá início ao seu trabalho. Verificou a lavanderia, se tinha sabão, alvejante, balde e tudo mais. Não se pode lavar roupa sem as condições necessárias para tal. As condições necessárias numa pesquisa dizem respeito aos recursos materiais que se tem à disposição para levar adiante a pesquisa. São equipamentos que são imprescindíveis, tais como: gravador, computador, papel, lápis, sala para se trabalhar, etc. É a infraestrutura necessária para a realização da pesquisa.
Deu-se, então, a lavagem. Primeiro pelas peças pequenas, depois pelas maiores. As peças pequenas lava-se e enxuga-se mais rápido. Elas ficam prontas para serem usadas mais rapidamente que as maiores. Não precisa muito chamego com elas. Isso não ocorre com as peças grandes. Dá mais trabalho, chamam mais atenção se não ficarem no ponto. São mais visíveis, requer um cuidado maior, especial. Isso corresponde aos dados sem os quais o resultado da pesquisa poderia ficar comprometido. Não podem deixar de ser examinado com cuidado, cautela, reflexão. Se não, todo o trabalho cairá por terra. Vai por água abaixo como a sujeira das roupas!
Voltemos a Dona Joaninha. A cada peça que tinha em mãos, ela esfregada com todo o cuidado. Enxaguava-as. Espremi-as. Verificava mais uma vez se ainda não tinha nenhuma sujeira. Só após essa constatação ela as estendia. O mesmo fazia com as peças grandes. Enxaguar, esfregar, espremer correspondia a leitura crítica dos textos e dados à disposição. Bem como, evidentemente, a revisão do que se leu. As peças pequenas nessa ocasião, são os textos de fácil assimilação enquanto que as peças grandes correspondiam as grandes obras relacionados ao tema da pesquisa. Tudo submetido a uma revisão crítica. Ao estender as roupas buscava-se deixá-las prontas para o último momento que é a elaboração do texto final no qual são apresentados os resultados da pesquisa. Não devemos esquecer o momento no qual as peças de roupas são submetidas ao ferro de passar para deixá-las prontas para serem vestidas. Vestir as roupas é o grandioso momento da apresentação a uma comissão julgadora. Não é para isso que vestimos as melhores roupas?
Devo a Dona Joaninha esse maravilhoso Insigt. Se fiz essa analogia entre lavar roupa e fazer pesquisa é porque vi nesses dois trabalhos algo em comum. Mas, mais do que isso, essa analogia se deu em função de uma preocupação em levar a bom termo a disciplina Princípios e Métodos da Pesquisa Educacional. Que tal vocês leitores fazerem as sua analogias? Não querem tentar? Creio que se fizerem seus horizontes em relação a pesquisa científica poderão se abrir aos seus olhos. Um abraço a todos que dedicaram seu precioso tempo para ler essa aberração intelectual.
1Ouro de Tolo (Raul Seixas)
2Dias de Luta (Ira)

Sobral, Muriçocas e Raquetes


SOBRAL, MURIÇOCAS E RAQUETES
Josenildo Silva de Souza1

"...A muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias..."
O Cortiço. Aluísio Azevedo.

ZZZZZZ, é o barulho provocado por um inseto que a população de Sobral2 está acostumada a ouvir diariamente e, principalmente, à noite quando vai dormir em suas residências. Barulho quase que ensurdecedor uma vez que é de tirar o sono de qualquer um, seja ele ou ela criança ou adulto. Como se não bastasse, esse inseto chamado popularmente de muriçoca3 invadiu todos os cantos da cidade, nos três turnos 24 horas sem parar. Não há lugar na cidade de Sobral onde elas não tenham, ainda, invadido.
Contudo, o barulho não é, apenas, um dos traços característicos das muriçocas. Podemos citar muitos outros, dentre eles: elas são sanguessugas. Sugam o sangue de suas vítimas e, dependendo do seu tamanho, sua picada parece mais uma ferroada de maribondo4. Quem quer que esteja acordado ou dormindo, sabe o quanto a picada é dolorida.
As muriçocas põe seus ovos preferencialmente em águas poluídas, ricas em matéria orgânica em decomposição e detritos, tais como cisternas, esgotos, bueiros, fossas, ralos, poços, águas paradas, etc. Todos nós sabemos perfeitamente disso! Tanto o cidadão comum, se é que podemos fazer uso dessa expressão, quanto as autoridades responsáveis pela vigilância sanitária da cidade.
Porém, o que assistimos é a população desesperada, aflita à procura de soluções privadas para um problema que é público. Uma dessas soluções privadas, e que nos chama mais a atenção, é a aquisição de raquetes que disparam uma descarga elétrica matando o inseto tão logo ele toque na sua superfície. Caminhando pela cidade vemos pessoas, de crianças a idosos, umas se divertido, outras desesperadas, fazendo uso dessas raquetes em casa ou no meio da rua, na ânsia de se livrar delas. Porém, as estratégias que utilizam não passam de uma verdadeira ilusão, uma vez que buscam eliminá-las quando elas estão na fase adulta e não na fase inicial,ou seja, nos locais onde mais se reproduzem. (Ver: parágrafo anterior). Eis porque considero que a população busca soluções privadas para problemas que têem um dimensão pública.
As autoridades sanitárias do município de Sobral tem de encontrar medidas enérgicas para resolver o problema pois, do contrário, a população, na esfera da privacidade, vai em vão procurar soluções e não vai conseguir se livrar desse inseto, e de outros, que se reproduzem nas mesmas condições. Se continuar agindo dessa maneira, a população corre um grande risco de acabar com os estoques de raquetes que são vendidas nos estabelecimentos comerciais, proporcionando-lhes lucros astronômicos, ou morrendo intoxicada ao fazer uso de inseticidas, altamente tóxicos, que põem em risco a sua saúde.
Agora, cá pra nós! Sinceramente, ao vermos uma pessoa fazendo uso dessas raquetes fora da quadra de tênis, na praia ao jogar frescobol ou numa mesa de ping-pong ou tênis de mesa, não nos dá a impressão que a pessoa está tendo uma crise psicótica? Cadê a bola, afinal? Creio que mesmo assim, quem sabe teremos no futuro uma Maria Esther Bueno ou um Gustavo Kuerten aqui em Sobral. Quer esperar pra ver? “E não adianta vir mim dedetizar, pois nem DDT pode assim mim exterminar, porque você mata uma e vem outra em meu lugar...”5

1Psicólogo e Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA
2Cidade da Região Norte do Estado do Ceará à 238 km da Capital Fortaleza
3Nome Tupi: mberu'soka: pernilongo. Formado do tupi mberu (mosca) e 'soka (que fura)
4Inseto himenóptero da família Pompilidae ou denominação mais genérica para qualquer uma das maiores espécies de vespas;
5Mosca na sopa. Raul Seixas