quinta-feira, 13 de março de 2014

OS LIVROS, OS TABLETS E AS CÓPIAS


OS LIVROS, OS TABLETS E AS CÓPIAS
Josenildo Silva de Souza1

Admiro os livros desde o primeiro momento em que os vi e folhei-los. Percebi, de imediato, o que eles tinham a me oferecer em termos de conhecimento e sabedoria. Me causava inveja vê-los sendo lidos e apreciados por leitores, atentos, concentrados, disciplinados e críticos. Quisera, eu, poder fazer o mesmo com tanta maestria e prazer.
Livros não foram feitos para ficar nas estantes das bibliotecas, sejam elas particulares ou públicas, ou até mesmo enfeitando a sala de estar! Muito menos ser propriedade individual. Devem ser compartilhados! Neles estão ideias desde as mais simples até aquelas elaboradas com maior rigor científico, filosófico, religioso e literário.
Livros são como nossos pais, irmãos, amigos, mestres que nos guiam por caminhos seguros por onde pretendemos ir. São indispensáveis e de fundamental importância na nossa vida, na nossa formação, seja ela acadêmica, profissional ou pessoal. Tem livro pra todo o gosto! Inclusive os que atende as fantasias sexuais de homens e mulheres.
Eles foram inventados para registrarem de uma maneira mais duradoura a saga da história da humanidade, seus percursos e percalços. Eles devem ser lidos e nada mais do que isso. Tirá-los das estantes e se apropriar do seu conteúdo, o quanto antes, é nosso direito e dever! Com livros nas mãos o leitor se torna mais respeitado e admirado, seja ele estudante, professor ou não. Seu valor não diminui com o tempo. Não viram sucata!Não têem vida curta! Muito pelo contrário! Se tornam mais valorizados. Não foi à toa que um deles da área de botânica foi roubado da biblioteca do Instituto de Botânica do Estado de São Paulo, cujo valor é incalculável.
Ao andar na rua com um livro, o leitor não correrá o risco de se deparar com alguém que fica na espreita para assaltar, ou roubar. Pois ele não é alvo de cobiça pelo alheio por parte dos transeuntes, meliantes, assaltantes que circulam pelas cidades, muito menos pode ser trocado por qualquer substância entorpecente. Ninguém vai trocar livro por droga! Nesse caso específico, ele não tem valor de mercado. O livro tem o meio mais eficiente de pesquisa inventado pelo homem, o índice! Suas páginas são numeradas em ordem crescente e facilmente podem ser folheadas com um leve toque dos dedos, tal como os mais sofisticados tablets.
Os tablets, por sua vez, dizem alguns, veio substituir o livro. Creio que não é bem assim, apesar dos fissurados pelas novas tecnologias acreditarem veementemente nisso. De acordo com Sylvio Montenegro, “afirmar peremptoriamente que o tablet vai substituir o livro é no mínimo leviandade. Pois nos tablets, pode-se armazenar uma biblioteca inteira vários e vários livros podem ser armazenados em um único meio! Porém, mas nada será como o livro: único, soberano, acompanhante silencioso que conta a história da saga humana sobre o globo, desde a invenção da escrita! Os tablets, por sua vez, têem funções que vão além daquelas que o livro pode oferecer. É um instrumento que tem recursos muito mais sofisticados. Disso não temos dúvida! Porém, estão num processo de inovação tecnológica contínua e, quem não acompanhar esse processo, parecerá bizarro se portar um desatualizado no meio da rua, em praça pública. O tempo de vida dos tablets que vai do processo de produção nas fábricas às lojas e das lojas até o lixo é cada vez curto e, também, tem um agravante! Não pode ser jogado em qualquer depósito de lixo! Pois, pode causar danos à saude ao meio ambiente! Esse processo de atualização constante que esse dispositivo tecnológico exige, pode levar os consumidores da necessidade de usá-los, até ao vício compulsório. Se, por acaso, qualquer um de nós dar de presente um tablet a alguém, saberá, em pouco tempo, que o seu valor durará até o próximo lançamento. O presente dado com carinho, logo, logo se destinará ao lixo. Assim, me responda a uma só pergunta: você conhece alguém que já leu um livro este mês, ou este ano em seu tablet?
Se os livros não vão ser substituídos pelos tablet o que dizer, então, das cópias que estão circulando nas sala de aula, das escolas e Universidades? Após serem usadas elas têem um destino trágico. Ao usá-las, isto é, lê-las, não podem ser guardadas da mesma forma que os livros e nem é objeto de consumo como os tablets. Elas se quer enfeitam as estantes. Muito pelo contrário! Viram um amontoado de papel que dar nojo até em vê-los. Livramos delas o quanto antes para não acumulá-las. Elas se assemelham aqueles bens de consumo descartáveis que usamos para obter prazer rápido e logo em seguida os destinamos ao depósito de lixo e com uma certa dose de prazer. O depósito de lixo será o seu fim!



1Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A PALAVRA NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA


A PALAVRA NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA 1

Josenildo Silva de Souza2

Palavras são palavras e a gente nem percebe
O que disse sem querer e o que deixou pra depois
(Um jeito estúpido de ser - Roberto Carlos)
INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a relação linguagem e consciência a partir dos estudos de Alexandr Romanovich Luria (1902-1977) que foi contemporâneo de Vygotsky e, com ele trabalhou no laboratório de psicologia marxista na Rússia desde o início do século XX até meados do década de setenta do mesmo século. Trata-se de um resgate das principais idéias desenvolvidas por este estudioso no livro “Pensamento e Linguagem: as últimas conferências de Luria”.
Os estudos sobre a relação entre pensamento e linguagem desenvolvidos nas primeiras décadas do século XX, por Piaget e Vygotsky, são de fundamental importância para o entendimento da formação da consciência humana. Nosso propósito aqui não é fazer um resgate das contribuições desses autores, confrontá-las e tomar uma posição sobre elas, mais sim, entender o papel que a palavra exerce na formação da consciência humana. Ou seja, entender como a aquisição da palavra pelo indivíduo contribui para formação de sua consciência, que lhe permite sair dos limites do reflexo imediato sensorial da realidade e formar capacidade de refletir o mundo em suas relações complexas e abstratas. O referido trabalho foi elaborado para a disciplina Fundamentos da Linguagem no Programa PARFOR.

Relação entre trabalho e linguagem

Para explicar as formas mais complexas da vida consciente do homem é imprescindível sair dos limites do organismo, buscar as origens desta vida consciente e do comportamento categorial, não nas profundidades do cérebro ou alma, mas sim, nas condições externas da vida e, em primeiro lugar, da vida social, nas formas histórico-sociais da existência do homem.
O homem se diferencia do animal pelo fato de que, com sua passagem à existência histórico-social, ao trabalho e as formas da vida social a elas vinculadas, mudaram radicalmente todas as categorias fundamentais do seu comportamento.
As origens da consciência humana não devem ser buscadas nas profundidades da alma, nem nos mecanismos cerebrais, mas sim nas relações que os homens estabelecem com a realidade, em sua história social, estreitamente ligadas com o trabalho e a linguagem.
Segundo Luria, “ a linguagem é um complexo sistema de códigos, formado no curso da história social”. O elemento fundamental deste sistema de códigos que o homem construiu ao longo de sua história social é a palavra. Ela, “ designa as coisas, individualiza suas características. Designa ações, relações, reúne objetos em determinados sistemas...a palavra codifica nossa experiência” (p.27)
Sobre o nascimento da palavra e da linguagem na pré-história só é possível fazer suposições. Contudo, a palavra como signo que designa um objeto, surge do trabalho, das ações com objetos, e que é na história do trabalho e da comunicação onde se deve buscar as raízes do surgimento da primeira palavra
A palavra, nascida do trabalho e da comunicação por este gerada, nas primeiras etapas da história encontrava-se estreitamente enlaçada com a prática. Nestas circunstância, a palavra possuía um caráter simpráxico e recebia sua significação somente inserida numa atividade prática concreta.
Para Malinovski, “a linguagem de alguns povos, que estão num nível baixo de desenvolvimento cultural, é difícil de entender sem o significado da situação na qual se pronunciam as palavras dadas”.
Toda história posterior da linguagem, é a história da emancipação da palavra do terreno da prática, da separação da fala como atividade autônima e seus elementos como um sistema autônomo de códigos.
A linguagem como sistema sinsemântico é um sistema de signos que estão enlaçados uns aos outros por seus significados e que formam um sistema de códigos que podem ser compreendidos, inclusive, quando não se conhece a situação. Toda história da linguagem consiste na passagem desde o contexto simpráxico de entrelaçamento da palavra com a situação prática, até a separação da linguagem como sistema autônomo de códigos.
Sabemos muito sobre a origem da palavra na ontogênese, no desenvolvimento da criança pequena. O desenvolvimento linguagem na ontogênese da criança não transcorre dentro do processo de trabalho. Transcorre, isto sim, no processo de assimilação da experiência da humanidade e da comunicação com os adultos.
As primeiras palavras não nascem dos primeiros sons que a criança emite, mas sim, daqueles sons da linguagem que a criança assimila da fala do adulto que ouve .Diferentemente de seus primeiros sons, não expressam seus estados, mas sim estão dirigidas ao objeto e o designam. Essas palavras, possuem no início um caráter simpráxico, estão fortemente enlaçadas com a prática.

Estrutura semântica e função da palavra

De acordo com Luria,

a principal função da palavra é seu papel designativo...uma palavra designa um objeto, uma ação, uma qualidade, ou uma relação...referência objetal como função de representação, de substituição de objeto...a palavra que possui uma referência objetal pode tomar a forma de um substantivo, um adjetivo, uma preposição, um verbo” (p. 32)

Assim, o homem sem a linguagem, só se relacionava com as coisas que ele observava diretamente, com as quais podia manipular. Com a ajuda da linguagem, passa a se relacionar com o que não percebe diretamente e que antes não entrava em sua experiência. Assim, a palavra duplica o mundo dando ao homem a possibilidade de operar mentalmente com objetos, inclusive na ausência destes.
Da palavra nasce não só a duplicação do mundo, mas também a ação voluntária. Duplicando o mundo, a palavra assegura a possibilidade de transmitir a experiência de indivíduo a indivíduo e a possibilidade de assimilar a experiência das gerações anteriores. Desse modo, o homem não é mais obrigado a se dirigir sempre à experiência pessoal, podendo receber essa experiência dos outros, utilizando a linguagem como fonte de informação.
Com a aparição da linguagem, o homem adquire algo assim como uma nova dimensão da consciência, nele se forma imagens subjetivas do mundo objetivo que são dirigíveis, ou seja, representações que o homem pode manipular, inclusive na ausência de percepções imediatas. Isto consiste na principal conquista que o homem obtem com a linguagem.
Muitas palavras não possuem um, mas vários significados, designando objetos completamente distintos. Tais palavras chamam-se homônimos. A polissemia é, antes de tudo, uma regra da linguagem do que uma exceção. Por sua vez, a particularização do significado da palavra se realiza por marcadores semânticos e distintivos semânticos que tornam preciso o significado da palavra. Suas funções estão determinadas pela situação, pelo contexto nos quais a palavra está e, as vezes, pelo tom em que se pronuncia. A palavra quase munca possui uma referência objetal única, fixa e unissignificativa. Segundo Luria,

A escolha do significado imediato da palavra está determinada por muitos fatores, entre os quais, linguísticos e psicológicos, o contexto concreto da palavra, sua inclusão em uma situação concreta” (p.34).

A palavra não somente gera a indicação de um objeto determinado, mas também, inevitavelmente, provoca a aparição de uma série de enlaces complementares, que incluem em sua composição elementos de palavras parecidas pela situação imediata, pela experiência anterior. Tanto o processo de denominação quanto o processo de percepção da palavra na realidade deve ser examinado como um complexo processo de escolha necessário do significado imediato da palavra, entre todo o campo semântico por ela evocado.
A segunda importante função da palavra é o seu significado categorial ou conceito. Por significado categoria ou conceito, Luria entende como:

a capacidade não apenas de substituir ou representar objetos os objetos, não apenas provocar associações parecidas, mas também para analisar os objetos, substituir e generalizar suas características...introduz em um sistema de complexos enlaces e relações” (p.36)

A palavra não somente designa uma coisa, mas também, separa suas características. A palavra generaliza uma coisa, a inclui em uma determinada categoria, ou seja, possui uma complexa função intelectual de geralização”. Ao generalizar os objetos, a palavra converte-se em um instrumento de abstração e generalização, que é a operação mais importante da consciência. A palavra não é somente um meio de substituir as coisas, é a célula do pensamento porque a função mais importante do pensamento é a abstração e a generalização.
Contudo, a palavra não é apenas um instrumento do pensamento, mas também um meio de comunicação. Qualquer comunicação ou transmissão de informação, exige que a palavra não se restrinja a designar um objeto determinado, mas que também generalize a informação sobre esse objeto. A palavra não só separa as características do objeto e generaliza a coisa, incluindo em uma determinada categoria Além disso, ela executa um trabalho automático de análise do objeto que passa desapercebido para o sujeito, transmitindo-lhe a experiência das gerações anteriores, experiência acumulada na história da sociedade.
Ao nomear o objeto, o homem o analisa, e não o faz sobre a base da própria experiência concreta, mas sim, transmite a experiẽncia acumulada na história social, relacionada com as funções deste objeto e, assim, transmite o sistema de conhecimento socialmente consolidados sobre as funções deste objeto. A palavra cumpre a complexíssima função de análise ao transmitir ao xperiência formada no processo de desenvolvimento histórico.
Muitas palavras entram em um dado grupo semântico visto possuir maior disponibilidade que outras. Esta disponibilidade explica-se pelo contexto, o hábito e a frequência com que se encontra pela disposição da personalidade e sua experiência imediata.
Muitas palavras são vivenciada como incompletas e exigem uma complementação por meio de outras palavras, é que se costuma falar de algo como “valência das palavras”. As valências das palavras, são um fator complementário importante que determina a palavra necessária para uma determinada mensagem.
O desenvolvimento da palavra na criança

Como foi dito antes, toda palavra inclui em sua composição dois componentes fundamentais: a referência objetal que consiste em designar o objeto, o traço, a ação ou relação; o outro componente é o significado. Este corresponde a função de sepação de determinados traços do objeto, sua generalização e a introdução do objeto em um determinado sistema de categorias.
De acordo com as descobertas da psicologia russa, a referência objetal da palavra e seu significado não permanecem imutáveis ao longo do desenvolvimento infantil. Essa mudança, Vygotsky denominou de desenvolvimento semântico e sistêmico do significado da palavra. No desenvolvimento da criança a referência objetal e seu significado não permanecem imutáveis, mudam à medida que a criança se desenvolve. Por desenvolvimento sistêmico da palavra, entende-se que por traz do significado da palavra nas diferentes etapas do desenvolvimento da criança, encontram-se diferentes processos psíquicos.
Foi Vygotsky que primeiro ligou a questão do desenvolvimento da palavra com o desenvolvimento da consciência. Sua teoria sobre o desenvolvimento do significado semântico e sistêmico da palavra pode ser designada, ao mesmo tempo, como a teoria do desenvolvimento semântico e sistêmico da consciência. Junto ao conceito de significado na psicologia contemporânea o conceito de sentido.
Por significado, entende-se, o sistema de relações que se formou objetivamente no processo histórico e social e que está encerrado na palavra. A palavra não somente assimila um objeto determinado, mas também o analisa, intrododuzindo-o em um siatema de enlaçes e relações objetivas É assim que dominamos a experiência social, refletindo o mundo com plenitude e profundidade diferentes.
O significado, é um sistema estável de generalizaçoes que se pode encontrar em cada palavra, igualmente para todas as pessoas. Pode ter diferentes graus de profundidade, diferentes graus de generalização, diferentes amplitude de alcance dos objetos por ele designado, mas, conserva um núcleo permanente.
Por sentido da palavra entende-se, significado individual da palavra, separado do sistema objetivo de enlace que a envolve. Este tem relação com o momento e a situação dados. A mesma palavra possui um significado formado objetivamente ao longo da história e que, em forma potencial, conserva-se para todas as pessoas, refletindo as coisas com diferente profundidade e amplitude.. Porém, cada palavra tem um sentido, que entende-se como a separação daqueles aspectos ligados à situação dada e com as vivências afetivas dos sujeitos. O sentido, é o elemento fundamental da utilização viva, ligada a uma situação concreta afetiva, por parte do sujeito.
Na criança de 3,5-4 anos, já está suficientemente formada a referência objetal da palavra. Isso não significa dizer que a esta idade esteja acabado o desenvolvimento da função designativa da palavra. No período que vai desde a metade do primeiro ano de vida até 3,5-4anos, pode-se observar a complexa história do desenvolvimento da função designativa da palavra, sua referência objetal. Podemos acompoanhar o desenvolvimento da referência objetal da palavra analisando como a criança compreende as palavras e como as utiliza analisando a linguagem passiva e ativa da criança. A referência objetal da palavra só se forma gradualmente, que no início, entrelacam-se com esta rferência objetal da palavra certos fatores não verbais, simpráxicos, ou seja, que a criança utiliza as palavras em função de uma série de fatores complementares, situacionais que mais adiante deixam de influenciar.

BIBLIOGRAFIA

LURIA, A. R. A palavra e sua estrutura semântica. In: Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
LURIA, A. O desenvolvimento do significado das palavras na ontogênese. In: Pensamento e Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
1Texto elaborado para disciplina Fundamentos da Linguagem
2Professor da Disciplina Fundamentos da Linguagem

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Orientação


A ORIENTAÇÃO

Josenildo Silva de Souza1

Desesperado, aflito e preocupado um aluno procura um professor para orientá-lo a fazer o trabalho de conclusão de curso – popularmente denominado TCC. Ao entrar na sala na qual se encontra o professor o aluno, de imediato, pergunta:

- Professor! Estou precisando de um professor-orientador para elaborar o TCC. O senhor pode me orientar?
- Depende! Responde o professor.
- Qual o seu tema? Pergunta o professor.
- Não tenho um tema definido ainda. Responde de alto e bom som o aluno.
- Assim fica difícil me caro! É muito complicado orientar um aluno que chega no final do curso nas condições em que você se encontra! Mas, podemos tentar! Para começar, pense num tema no qual você gostaria de desenvolver seu trabalho, faça as primeiras leituras sobre ele e me traga algo escrito sobre o que você leu.

Diálogo como esse entre o professor e o aluno tem se tornado recorrente no cotidiano das instituições de ensino, especificamente, nas universidades. Os alunos chegam nos últimos semestres do curso sem ter definido o seu orientador e, muito menos, o tema que será desenvolvido no trabalho. Situações como essas deixam os professores perplexos, bem como, a refletirem sobre como orientar seus alunos a elaborar o TCC nas condições acima referidas. O TCC é um trabalho que pode ser elaborado em forma de artigo ou monografia. É ele um dos requisitos necessários para que o aluno possa concluir seu curso, quer queira ele ou não. Contudo, o TCC, parece mais assustar do que empolgar. Será que é devido ao fato de sua sigla parecer com aquela de uma das maiores facções criminosas do país? Obviamente que não!
Geralmente, os alunos chegam no último semestre sem nunca ter feito um artigo ou monografia, uma vez que boa parte dos professores não inserem essas atividades com um dos critérios fundamentais para avaliação do aluno nas disciplinas por eles ministradas. As explicações para esse fato variam desde número excessivo de alunos em sala de aula, até falta de tempo, por parte do professor para dar conta da leitura dos trabalhos pois, tanto ele quanto os alunos, têm outras disciplinas e não sobra tempo suficiente para nenhum dos dois. Convence? Não!
Há casos em que o aluno se quer escolheu o tema e, quando escolhe, não tem leitura suficiente para dominá-lo teoricamente ou, se quer, superficialmente. Portanto, ele não será capaz de produzir um texto dissertativo sobre o que leu e pesquisou. A não ser aquele de mentirinha! Isso demonstra um problema grave na formação deste aluno. Como uma atividade acadêmica pode ser exigida no final do curso, se ao longo da formação o aluno não vivencia outras atividades pedagógicas que pudessem aproximá-lo daquela que será exigida no final? Em outras palavras, o aluno vai ter que fazer num espaço de tempo, relativamente curto, o que deveria fazer ao longo de sua formação. Isso leva, necessariamente, aos envolvidos no processo, tanto o aluno quanto o professor orientador, a conceber a atividade de elaboração do artigo ou monografia como mero episódio e, como todo episódio, não tem passado, nem futuro. É o instante que o define. É um acontecimento solto. Um fato isolado.
Por sua vez, um outro problema se apresenta. Tendo escolhido o tema, tendo feito leituras sobre ele e algo mais, o aluno muitas vezes escolhe como orientador um professor que não tem afinidades teóricas com o tema escolhido e, nesse caso, pouco pode oferecer uma vez que na construção de um artigo ou monografia, deve haver diálogo teórico, debate, confronto de ideias e coisas do gênero entre o orientador e o aluno e, quando isso não ocorre, por falta de familiaridade com o tema de uma ou ambas as partes, o resultado não poderia ser outro se não um papo de surdo e mudo, uma roda de conversa fiada, improdutiva na qual não há aprofundamento e, sim, superficialidade nas reflexões.
Uma quarta explicação seria a falta de articulação entre as disciplinas de cada período, bem como as de períodos diferentes o que leva, muitas vezes, os alunos a considerarem que o conteúdo de uma delas se encerra nela mesma e não está relacionada com as demais revelando, assim, uma prática pedagógica extremamente fragmentada incapaz de promover a tão almejada interdisciplinaridade que poderia se concretizar no artigo e ou na monografia. Não vamos entrar aqui na discussão sobre a pertinência dessas questões, muito embora tenhamos consciência da sua existência.
Voltemos, então ao encontro do aluno com o orientador. Dias depois do primeiro contato com o professor, o aluno volta a se encontrar com ele para dar, então, início aos encontros de orientação, bem como estabelecer um cronograma de atividades a ser desenvolvido por eles. Nesse encontro o professor pergunta:
- E ai? Definiu o tema? O que trouxe escrito sobre ele? Pergunta o professor.
- Bom professor! Pouca coisa! Pois, como havia dito no nosso primeiro encontro não tenho muita leitura. Foi o que pude fazer. Responde o aluno e, logo em seguida, entrega o trabalho ao professor.
- Vou ler e tecer comentário. Diz o professor. Após a leitura do trabalho o professor indaga:
- O que o fez escolher o tema? Quais as razões de ordem teórico-prática motivaram sua escolha? Qual a relevância teórico-prática do trabalho que você pretende fazer?
Essas perguntas deixaram o aluno quase que paralisado. Sem ter o que responder de imediato ele descobriu, em função das perguntas formuladas, o quão difícil será o caminho que irá trilhar até concluir o seu trabalho. Percebendo a situação complicada em que meteu o aluno, o professor logo se encarrega de explicar a natureza e o teor de suas perguntas. Diz ele:
Meu caro, a escolha do tema é de importância fundamental, pois dela dependerá o bom êxito do trabalho a ser desenvolvido por você. É necessário verificar se há possibilidades de se elaborar um bom trabalho sobre esse tema. Não se pode escolher um tema a esmo, sem cautela e o devido cuidado. Essa verificação começa pela bibliografia a respeito do assunto, pois o acesso a uma boa bibliografia é requisito indispensável. Não deve ser fácil demais nem muito complexo. Pois, deve ser adequado a capacidade intelectual daquele que vai realizá-lo. Além disso, deve ser relevante, apresente alguma utilidade, alguma importância prática ou teórica. É necessário que ele seja trabalhado a partir de um ponto de vista original, trazer alguma contribuição nova, algo que ainda não foi dito sobre o assunto. Nesse ponto, percebe-se que o professor chama a atenção do aluno sobre a importância do tema.
Além disso, continua o professor, o tema precisa ser delimitado, ou seja, é necessário fixar sua extensão, abrangência e profundidade. Para tanto, é indispensável conhecer, genericamente, o assunto. Assim fica mais fácil delimitar o tema após algumas leituras exploratórias. Procurar fixar circunstâncias de tempo e espaço, bem como políticas, sociais, etc é de fundamental importância. Portanto, conclui o professor, delimitar o tema implica selecionar um de seus aspectos, limitando a escolha a um deles, de modo que o assunto seja tratado com suficiente profundidade.
Após esses esclarecimentos, o professor sugere, então, que o aluno caia em campo em busca de uma bibliografia que trate do tema por ele escolhido. Além disso, sugere, ainda, que ele procure, ao máximo, criar as condições teórico-prática para delimitá-lo.
Após esse encontro com o professor, o aluno começa a por em prática tudo que lhe foi sugerido. Procura na biblioteca da universidade os possíveis livros que tratam do tema em questão. Busca na internet artigos e textos em revistas especializadas na temática. Leva-os para casa e dar início a leitura do referencial teórico obtido. Confuso sem saber por onde começar, o aluno toma a iniciativa telefonar e enviar um e-mail ao professor solicitando algumas orientações de como proceder nas leituras. Marcam, então, um encontro para esclarecimento das dúvidas.
Percebendo o empenho do aluno, o professor, então, sugere que ele deve começar pelas obras que tratam o tema de uma maneira mais geral e das obras que serão objetos das leituras e anotações. É necessário fazer um levantamento delas, recomenda o professor. Além disso, explica que a leitura prévia, possibilitará uma seleção das obras que passarão pela leitura seletiva. Nela serão localizadas as obras, capítulos ou partes que contém informações úteis.
Após a recomendação, acima, o professor alerta o aluno sobre o tipo de leitura que ele deve fazer. Explica que a leitura crítica ou reflexiva permitirá a apreensão das ideias fundamentais de cada texto. Pode-se considerar, que esta é a fase mais demorada da pesquisa bibliográfica, pois as anotações devem ser feitas somente após a compreensão e apreensão das ideias contidas no texto. Após a seleção e classificação de todo material levantado na pesquisa bibliográfica, executa-se a etapa seguinte. Antes da elaboração da etapa seguinte o professor é surpreendido com um insigth que o aluno teve. Ao ler os textos aluno constata que os autores que abordam o tema que ele escolheu têm concepções diferente sobre o assunto e, mais ainda, em muitos aspectos, são contraditórios. Há os que analisam com profundidade e aqueles negligenciam nesse aspecto. Pôs-se, então, questioná-los, a problematizá-los. Essa problematização lhe permitiu formular o problema da pesquisa. Todo e qualquer conhecimento mais sistematizado começa quando problematizamos o que está diante dos nossos sentidos. Ou seja, quando não naturalizamos a nossa existência. A ciência e a filosofia só avançam quando novas questões são postas aos homens pela realidade. Após essa constatação o aluno caiu em campo em busca de respostas para os problemas por ele levantado.
O passo seguinte na orientação foi a elaboração do esboço ou plano provisório da redação. É necessário saber o que o trabalho vai realizar. Antes elaborar um plano de redação, imaginar o tipo de abordagem, os tópicos que serão focalizados e quais os que merecerão maior ênfase, como se pretende conduzir o desenvolvimento, isto é, em quantas partes o texto será dividido, quais os elementos que poderão ser utilizados na argumentação.
A cada recomendação do professor-orientador, o aluno segue a risca sem fraquejar demostrando o quanto está envolvido no trabalho. Os dias de encontros são realizados de acordo com o estabelecido entre eles no cronograma de atividades na busca contante de expor as dúvidas bem como superá-las. O resultado não poderia ser outro, se não, um trabalho bastante adiantado e preste a chegar à reta final.
Percebendo o bom andamento do trabalho, o professor sugere ao aluno um planejamento acerca de sua estruturação, isto é, um plano o mais minucioso possível, indicando as partes, os tópicos, os elementos que constarão nas diferentes partes do trabalho e explica: a redação de um trabalho não precisa, necessariamente, começar pela introdução. Um plano de redação bem detalhado torna possível redigir o trabalho por partes, para depois ordená-lo convenientemente. A primeira redação deve sofrer críticas e revisões, até chegar-se a uma versão final. Em hipótese alguma a primeira redação pode ser dada como definitiva; é indispensável a redação prévia das partes e outra redação global do trabalho. Esta poderá ser revista, criticada, uma ou duas vezes, para que se possa considerá-la como definitiva.
Em seguida, o professor sugere uma revisão do conteúdo do trabalho e da redação, chamando a atenção para a necessidade de uma leitura crítica, para a revisão geral do conteúdo e das ideias expressas no texto. Os conceitos, a clareza das ideias, a lógica da argumentação, a articulação e o equilíbrio entre as partes também devem ser objeto de avaliação para revisão.
Diante das sugestões e recomendações do professor-orientador, o aluno começa a se dar conta do que fez e da possibilidade de marcar mais um encontro para conclusão do trabalho e prepará-lo para à exposição junto a uma banca examinadora composta por três membros. Espera-se que a desenvoltura do aluno na elaboração do TCC possa se efetivar, também, no momento de sua exposição para que ele possa concluir o seu curso com sucesso. Mas isso é outra história!!!!



1Professor do Curso de Pedagogia da UVA

Pesquisar e Lavar Roupa Suja


PESQUISAR E LAVAR ROUPA SUJA

Josenildo Silva de Souza

Pra onde vai com essa trouxa, nada nada, Mariá?
Na cacimba só tem água pra beber
Pouca água deixa a roupa mal lavada Mariá
Lavar roupa também tem o que aprender
(Catuaba com Amendoim)

Em plena tarde de segunda feira, eu estava deitado em minha rede. Não lembro, ao certo, em que data se deu. Mas, isso não importa. O que importa, afinal, foi exatamente o que aconteceu. Há os que consideram a segunda feira o dia em que temos que repor as peças estragadas pelos excessos cometidos no final de semana. Outros são mais extravagantes, ao ponto de considerar que esse dia não deveria se quer existir. Há momentos em que concordo ora com os primeiros, ora com os segundos. Contudo, foi nesse dia que me ocorreu um fato extraordinário, inimaginável, até então.
Dona Joaninha, uma gentil senhora que eu contrato para me prestar seus excelentes e indispensáveis serviços, chegou na minha residência por volta das 13:30 hs a procura de trabalho para fazer naquela dia. Todos, que me conhecem, sabem que não sou muito amistoso à ideia de atender, seja lá quem for, antes das 14:00 hs e, mais ainda, numa segunda feira. Sem me dar conta, eu havia deixado a porta do meu apartamento fechada só no trinco. Como ela tinha o hábito de bater na porta e ir logo entrando, não tive tempo de deixá-la esperando por alguns instantes ou tomando um chá de cadeira na linguagem popular. Só sei que tive de atendê-la. Há um ditado popular que diz que há males que vem para o bem. E não é que é verdade!
Dona Joaninha, ao me procurar, queria saber se eu tinha alguma roupa suja para lavar pois ela estaria pronta para prestar-me seus excelentes e indispensáveis serviços, tal como disse anteriormente. Pois bem! Eu disse a ela, mentindo evidentemente, que ela tinha chegado em boa hora e que tinha sim roupas sujas para serem lavadas, o que a deixou muito feliz. Afinal, ela não se queixa da quantia, em dinheiro, que eu pago por esses serviços.
Naquele dia, eu estava muito preocupado com o conteúdo da disciplina Princípios e Métodos na Pesquisa Educacional que, na ocasião, eu estava ministrando no 5º período do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú. A minha preocupação, era decorrente das dificuldades encontradas pelos alunos em compreenderem os textos que eu havia selecionado para levar a bom termo a compreensão do que seria uma pesquisa e, especificamente, pesquisa educacional. Talvez o erro da escolha dos textos tenha sido meu e não dos alunos. Eu tenho uma dificuldade enorme em atribuir aos outros os erros que cometo. Por isso, me pus a refletir sobre o que estava acontecendo. Por que estava sendo tão difícil trabalhar aqueles textos em sala de aula? Como levar os alunos a compreenderem o que é pesquisa educacional com textos que eles apresentavam dificuldades de compreensão? O que eu deveria fazer naquela situação? Perguntas como essas e outras atormentavam a minha cabeça, me deixavam sem dormir! Me lembrei, na ocasião, de um trecho da letra de uma canção de Raul Seixas na qual ele diz: “eu que não me sento no trono do apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar...”. 1
Antes que a morte chegasse, uma luz iluminou o meu caminho! Comecei a observar o trabalho de Dona Joaninha. Ela tinha algo a fazer! E esse algo a fazer começou com uma pergunta. Vamos ao diálogo que eu estabeleci com ela:
  • Professor! O senhor tem roupa suja para que eu possa lavar? Foi a pergunta que ela me fez.
  • Tenho sim, Dona Joaninha! Eu disse.
  • Posso lavar, agora? Uma segunda pergunta.
  • Claro que sim! Foi minha resposta.

Nosso diálogo foi muito breve, como vocês puderam ver. Pois, “quando se sabe ouvir não precisa muitas palavras” 2. Como se pode ver, a natureza do nosso encontro e diálogo se deu em função da insistência de Dona Joaninha em responder uma única pergunta, qual seja: saber se tinha roupa suja para lavar. Toda e qualquer pesquisa começa por uma pergunta, um problema que os homens precisam responder. Esses problemas não surgem na cabeça dos homens ao acaso. Surgem a partir dos problemas que a realidade concreta disponibiliza para os homens ou, evidentemente, quando eles problematizam a realidade. Não se pode fazer pesquisa quem não tem um problema a resolver. Essa foi a primeira lição que aprendi naquela segunda feira.
Diante da resposta positiva que recebeu, Dona Joaninha começou a trabalhar. A cada ação, gesto cometido por ela, meus olhos ficavam atentos, observando. Afinal, foi Aristóteles quem fez, pela primeira vez, essa afirmação: “nada está na mente humana, sem antes ter passado pelos órgãos dos sentidos. Os órgãos dos sentidos é a porta de entrada de todo e qualquer conhecimento”.
Dona Joaninha começou a juntar as roupas sujas. Procurou em todos os lugares onde elas poderiam estar. Juntou tudo! Juntou uma montanha de roupas! Na linguagem da pesquisa científica isso significa: coletou dados, informações onde quer que elas se encontrassem. Não parou de juntá-las até o momento em constatou que todas, ou parte delas, estavam ali naquele amontoado.
Após juntar tudo, ela começou a separá-las. Num canto ela colocou as peças pequenas. Noutro, as peças grandes. Separou, ainda, as roupas brancas das de cor. Enfim, separou aquelas que poderiam ser lavadas rapidamente, daquelas que levaria mais tempo. Retomo, novamente, a linguagem da pesquisa científica. As peças pequenas correspondem aquelas fontes de informações que poderiam fornecer dados relevantes mas superficiais, sem profundidade. Bem diferente das peças grandes, que correspondem a dados e informações preciosas, fundamentais que exigem mais trabalho, mais empenho para estar prontas para serem incorporadas ao trabalho. As roupas de cor exigem um cuidado especial. Nelas são não usadas alvejantes, se não,borra tudo, o que as deixa irreconhecíveis. Na pesquisa isso se reflete no tipo de procedimento de pesquisa que é adotado para a obtenção dos dados o pode provocar um certa resistência em fornrcer as informações necessárias. Já as roupas brancas, o mesmo não ocorre. Quanto mais alvejante mais limpa ficam. Em termos metodológicos, isso significa que quanto mais indagamos mais tornamos esclarecidas as investidas nas informações obtidas. Ela sabia exatamente como se conduzir diante dos elementos que tinham a disposição. Diante das informações e dados que temos em mãos temos que ter consciência do que fazer com eles. Do contrário, vamos misturar tudo e o resultado não vai ser nada agradável. Ela estava me ensinando isso!
Sua genialidade não parava aqui. Ela preparou todos os elementos e recursos que precisava para dá início ao seu trabalho. Verificou a lavanderia, se tinha sabão, alvejante, balde e tudo mais. Não se pode lavar roupa sem as condições necessárias para tal. As condições necessárias numa pesquisa dizem respeito aos recursos materiais que se tem à disposição para levar adiante a pesquisa. São equipamentos que são imprescindíveis, tais como: gravador, computador, papel, lápis, sala para se trabalhar, etc. É a infraestrutura necessária para a realização da pesquisa.
Deu-se, então, a lavagem. Primeiro pelas peças pequenas, depois pelas maiores. As peças pequenas lava-se e enxuga-se mais rápido. Elas ficam prontas para serem usadas mais rapidamente que as maiores. Não precisa muito chamego com elas. Isso não ocorre com as peças grandes. Dá mais trabalho, chamam mais atenção se não ficarem no ponto. São mais visíveis, requer um cuidado maior, especial. Isso corresponde aos dados sem os quais o resultado da pesquisa poderia ficar comprometido. Não podem deixar de ser examinado com cuidado, cautela, reflexão. Se não, todo o trabalho cairá por terra. Vai por água abaixo como a sujeira das roupas!
Voltemos a Dona Joaninha. A cada peça que tinha em mãos, ela esfregada com todo o cuidado. Enxaguava-as. Espremi-as. Verificava mais uma vez se ainda não tinha nenhuma sujeira. Só após essa constatação ela as estendia. O mesmo fazia com as peças grandes. Enxaguar, esfregar, espremer correspondia a leitura crítica dos textos e dados à disposição. Bem como, evidentemente, a revisão do que se leu. As peças pequenas nessa ocasião, são os textos de fácil assimilação enquanto que as peças grandes correspondiam as grandes obras relacionados ao tema da pesquisa. Tudo submetido a uma revisão crítica. Ao estender as roupas buscava-se deixá-las prontas para o último momento que é a elaboração do texto final no qual são apresentados os resultados da pesquisa. Não devemos esquecer o momento no qual as peças de roupas são submetidas ao ferro de passar para deixá-las prontas para serem vestidas. Vestir as roupas é o grandioso momento da apresentação a uma comissão julgadora. Não é para isso que vestimos as melhores roupas?
Devo a Dona Joaninha esse maravilhoso Insigt. Se fiz essa analogia entre lavar roupa e fazer pesquisa é porque vi nesses dois trabalhos algo em comum. Mas, mais do que isso, essa analogia se deu em função de uma preocupação em levar a bom termo a disciplina Princípios e Métodos da Pesquisa Educacional. Que tal vocês leitores fazerem as sua analogias? Não querem tentar? Creio que se fizerem seus horizontes em relação a pesquisa científica poderão se abrir aos seus olhos. Um abraço a todos que dedicaram seu precioso tempo para ler essa aberração intelectual.
1Ouro de Tolo (Raul Seixas)
2Dias de Luta (Ira)

Sobral, Muriçocas e Raquetes


SOBRAL, MURIÇOCAS E RAQUETES
Josenildo Silva de Souza1

"...A muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias..."
O Cortiço. Aluísio Azevedo.

ZZZZZZ, é o barulho provocado por um inseto que a população de Sobral2 está acostumada a ouvir diariamente e, principalmente, à noite quando vai dormir em suas residências. Barulho quase que ensurdecedor uma vez que é de tirar o sono de qualquer um, seja ele ou ela criança ou adulto. Como se não bastasse, esse inseto chamado popularmente de muriçoca3 invadiu todos os cantos da cidade, nos três turnos 24 horas sem parar. Não há lugar na cidade de Sobral onde elas não tenham, ainda, invadido.
Contudo, o barulho não é, apenas, um dos traços característicos das muriçocas. Podemos citar muitos outros, dentre eles: elas são sanguessugas. Sugam o sangue de suas vítimas e, dependendo do seu tamanho, sua picada parece mais uma ferroada de maribondo4. Quem quer que esteja acordado ou dormindo, sabe o quanto a picada é dolorida.
As muriçocas põe seus ovos preferencialmente em águas poluídas, ricas em matéria orgânica em decomposição e detritos, tais como cisternas, esgotos, bueiros, fossas, ralos, poços, águas paradas, etc. Todos nós sabemos perfeitamente disso! Tanto o cidadão comum, se é que podemos fazer uso dessa expressão, quanto as autoridades responsáveis pela vigilância sanitária da cidade.
Porém, o que assistimos é a população desesperada, aflita à procura de soluções privadas para um problema que é público. Uma dessas soluções privadas, e que nos chama mais a atenção, é a aquisição de raquetes que disparam uma descarga elétrica matando o inseto tão logo ele toque na sua superfície. Caminhando pela cidade vemos pessoas, de crianças a idosos, umas se divertido, outras desesperadas, fazendo uso dessas raquetes em casa ou no meio da rua, na ânsia de se livrar delas. Porém, as estratégias que utilizam não passam de uma verdadeira ilusão, uma vez que buscam eliminá-las quando elas estão na fase adulta e não na fase inicial,ou seja, nos locais onde mais se reproduzem. (Ver: parágrafo anterior). Eis porque considero que a população busca soluções privadas para problemas que têem um dimensão pública.
As autoridades sanitárias do município de Sobral tem de encontrar medidas enérgicas para resolver o problema pois, do contrário, a população, na esfera da privacidade, vai em vão procurar soluções e não vai conseguir se livrar desse inseto, e de outros, que se reproduzem nas mesmas condições. Se continuar agindo dessa maneira, a população corre um grande risco de acabar com os estoques de raquetes que são vendidas nos estabelecimentos comerciais, proporcionando-lhes lucros astronômicos, ou morrendo intoxicada ao fazer uso de inseticidas, altamente tóxicos, que põem em risco a sua saúde.
Agora, cá pra nós! Sinceramente, ao vermos uma pessoa fazendo uso dessas raquetes fora da quadra de tênis, na praia ao jogar frescobol ou numa mesa de ping-pong ou tênis de mesa, não nos dá a impressão que a pessoa está tendo uma crise psicótica? Cadê a bola, afinal? Creio que mesmo assim, quem sabe teremos no futuro uma Maria Esther Bueno ou um Gustavo Kuerten aqui em Sobral. Quer esperar pra ver? “E não adianta vir mim dedetizar, pois nem DDT pode assim mim exterminar, porque você mata uma e vem outra em meu lugar...”5

1Psicólogo e Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA
2Cidade da Região Norte do Estado do Ceará à 238 km da Capital Fortaleza
3Nome Tupi: mberu'soka: pernilongo. Formado do tupi mberu (mosca) e 'soka (que fura)
4Inseto himenóptero da família Pompilidae ou denominação mais genérica para qualquer uma das maiores espécies de vespas;
5Mosca na sopa. Raul Seixas

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA DE CARL ROGERS


Josenildo Silva de Souza
 
O objetivo desta aula é apresentar, de maneira resumida, as idéias centrais da abordagem centrada na pessoa a qual foi desenvolvida a partir da experiência clínica do psicólogo americano Carl Rogers e como ela pode ser trabalhada em prol do aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Rogers, há um campo de experiência único para cada indivíduo; este campo de experiência ou campo fenomenal contém tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, e que está potencialmente disponível à consciência. Inclui eventos, percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa não toma consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos. É um estímulo privativo e pessoal que pode ou não corresponder à realidade objetiva.
Dentro do campo da experiência está o self. Rogers usa o self para se referir ao contínuo processo de reconhecimento da pessoa. O self ou autoconceito é a visão que uma pessoa tem de si própria, baseada em experiências passadas, estimulações presentes e expectativas futuras.
O self ideal é o conjunto de características que o indivíduo mais gostaria de poder reclamar como sendo descritivas de si mesmo. A extensão da diferença entre o self e o self ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas. Quanto maior a extensão da diferença, maiores as possibilidades da pessoa está vivenciando uma experiência neurótica. Aceitar-se como se é na realidade, e não como se quer ser, é um sinal de saúde mental. Aceitar-se não é resignar-se ou abdicar de si mesmo; isto é, não significa que o indivíduo deva se conformar com sua real situação, mas sim, tomar consciência dela de maneira que a partir dela possa extrair motivações para o crescimento. É uma forma de estar mais perto da realidade, de seu estado atual. A imagem do self ideal, na medida em que se diferencia de modo claro do comportamento e dos valores reais de uma pessoa é um obstáculo ao crescimento pessoal.
Segundo Rogers, a hipótese central dessa abordagem pode ser colocada em poucas palavras. Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para autocompreensão e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima, passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras;
Há três condições que devem estar presentes para que se crie um clima facilitador de crescimento. Estas condições se aplicam, na realidade, a qualquer situação na qual o objetivo seja o desenvolvimento da pessoa.
O primeiro elemento diz respeito a autenticidade, sinceridade ou congruência. Quanto mais o indivíduo for ele mesmo na relação com o outro, quanto mais puder remover as barreiras profissionais ou pessoais, maior a probabilidade de que o outro mude e cresça de um modo construtivo. Isso significa que o indivíduo está vivendo abertamente os sentimentos e atitudes que fluem naquele momento. O termo transparente expressa bem essa condição: o indivíduo se faz transparente para o outro. O outro pode ver claramente o que o indivíduo é na relação: o outro não se defronta com qualquer resistência por parte do indivíduo. Do mesmo modo que para o indivíduo, o que o outro vive pode se tornar consciente, pode ser vivido na relação e pode ser comunicado se for conveniente. Portanto, dá-se uma grande correspondência, ou congruência, entre o que está sendo vivido em nível profundo, o que está na consciência e o que está sendo expresso pelo outro.
Congruência é definida como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência. Ela se relaciona às discrepâncias entre experienciar e tomar consciência. Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que você está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em seu campo) e a tomada de consciência (o que você está percebendo) são todas semelhantes. Suas observações e as de um observador externo seriam consistentes.
A incongruência ocorre quando há diferenças entre a tomada de consciência, a experiência e a comunicação desta. É definida não só como inabilidade de perceber com precisão mas também como inabilidade ou incapacidade de comunicação precisa. Quando a incongruência está entre a tomada de consciência e a experiência, é chamada de repressão. A pessoa simplesmente não tem consciência do que está fazendo. Quando a incongruência é uma discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação a pessoa não expressa o que está realmente sentindo, pensando ou experienciando.
A segunda atitude importante na criação de um clima que facilite a mudança é a aceitação, o interesse e a consideração – aceitação incondicional. Quando o indivíduo está tendo uma atitude positiva, aceitadora, em relação ao que quer que o outro seja naquele momento, a probabilidade de ocorrer um movimento de mudança aumenta. O indivíduo que deseja que o outro expresse o sentimento que está ocorrendo no momento, qualquer que seja ele – confusão, ressentimento, medo, raiva, coragem, amor ou orgulho. O indivíduo tem uma consideração integral e não condicional pelo cliente, daí porque se faz necessário que a pessoa esteja aberta a tudo o que o outro tem a dizer para poder compreende-lo plenamente e se fazer compreendido.
O terceiro aspecto facilitador da relação é a compreensão empática. Com isso quero dizer que o indivíduo capta com precisão os sentimentos e os significados pessoais que o outro está vivendo e comunica essa compreensão a ele. Quando está em sua melhor forma, o indivíduo pode entrar tão profundamente no mundo interno do outro que se torna capaz de esclarecer não só o significado que o outro está consciente como também do que se encontra abaixo do nível de consciência.
Se as pessoas são aceitas e consideradas, elas tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relação a si mesmas. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Mas, à medida em que uma pessoa compreende e considera o seu eu, este se torna mais congruente com suas próprias experiências. A pessoa torna-se então mais verdadeira, mais genuína. Essas tendências, que são a recíproca das atitudes dos outros, permitem que a pessoa seja uma propiciadora mais eficiente de seu próprio crescimento. Sente-se mais livre para ser uma pessoa verdadeira e integral.
A prática, a teoria e a pesquisa deixam claro que a abordagem centrada na pessoa baseia-se na confiança em todos os seres humanos e em todos os organismos. Em cada organismo, não importa em que nível, há um fluxo subjacente de movimento em direção à realização construtiva das possibilidades que lhes são inerentes. Há também nos seres humanos uma tendência natural a um desenvolvimento mais completo e mais complexo. A expressão mais usada para designar esse processo é a tendência realizadora, presente em todos os organismos vivos.
A necessidade de explorar e de produzir mudanças no ambiente, a necessidade de brincar e de se auto-explorar – todos esses e muitos outros comportamentos são expressão dessa tendência auto-realizadora.
Os organismos estão sempre em busca de algo, sempre iniciando algo, sempre prontos para alguma coisa. Há uma fonte central de energia no organismo humano. Essa fonte é uma função do sistema como um todo, e não de uma parte dele. A maneira mais simples de conceitua-la é como uma tendência à plenitude, à auto-realização, que abrange não só a manutenção mas também o crescimento do organismo.
Tendência formativa é uma tendência sempre atuante em direção a uma ordem crescente e a uma complexidade inter-relacionada, visível tanto no nível inorgânico como no orgânico. O universo está em constante construção e criação, assim como em deterioração. Este processo também é evidente no ser humano.
Qual o papel desempenhado por nossa consciência nessa função formativa? A capacidade de prestar atenção consciente parece ser uma das mais recentes etapas evolutivas da espécie humana. Essa capacidade pode ser caracterizada como um pequeníssimo pico de consciência, de capacidade de simbolização, no topo de uma vasta pirâmide de funcionamento não consciente do organismo. Tudo indica que o organismo humano vem progredindo em direção a um desenvolvimento cada vez mais pleno da consciência.
Havendo maior autoconsciência torna-se possível uma escolha mais bem fundamentada, uma escolha mais livre de introjeções, uma escolha consciente mais em sintonia com o fluxo evolutivo. Essa pessoa está potencialmente mais consciente, não só dos estímulos como também das idéias e sonhos, do fluxo de sentimentos, emoções e reações fisiológicas advindas do seu interior. Quanto maior essa consciência, mais a pessoa flutuará segura numa direção afinada com o fluxo evolutivo.
Portanto, essa abordagem dá ênfase a relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta, centrado no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, em seus processos de construção e organização pessoal da realidade, e em sua capacidade de atuar, como pessoa integrada. Dá-se igualmente ênfase à vida psicológica e emocional do indivíduo e à preocupação com a sua orientação interna, com o auto conceito, com o desenvolvimento de uma visão autêntica de si mesmo, orientada para uma realidade individual e grupal.
Como essa abordagem concebe o homem, o conhecimento, a educação, a escola, o processo ensino-aprendizagem, a relação professor-aluno, a metodologia e a avaliação do aluno?
O homem é considerado como uma pessoa situada no mundo. É único, quer em sua vida interior, quer em suas percepções e avaliações do mundo. A pessoa é considerada em processo contínuo de descoberta de seu próprio ser, ligando-se a outras pessoas e grupos. O homem não nasce com um fim determinado, mas goza de liberdade plena e se apresenta como um projeto permanente e inacabado. Não é resultado, cria-se a si próprio. É, portanto, possuidor de uma existência não condicionada a priori . A crença na fé e a confiança na capacidade da pessoa, em seu próprio crescimento, constituem o pressuposto básico da teoria rogeriana.
A experiência pessoal e subjetiva é o fundamento sobre o qual o conhecimento é construído, no decorrer do processo do vir-a-ser da pessoa humana. É atribuído ao sujeito, portanto, papel central e primordial na elaboração e criação do conhecimento. Ao experienciar, o homem conhece. A experiência constitui, pois, um conjunto de realidades vividas pelo homem, realidades essas que possuem significados reais e concretos para ele e que funciona, ao mesmo tempo, como ponto de partida para mudança e crescimento, já que nada é acabado e o conhecimento possui uma característica dinâmica.
A educação tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitem a aprendizagem do aluno, e como objetivo básico liberar a sua capacidade de auto-aprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto emocional. Seria a criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativa, de responsabilidade, de autodeterminação, de discernimento, que soubessem aplicar-se a aprender as coisas que lhes servirão para a solução de seus problemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, servindo-se da própria experiência, com espírito livre e criativo. Tudo que estiver a serviço do crescimento pessoal, interpessoal ou intergrupal é educação.
Em relação a escola, o princípio básico consiste na idéia da não interferência com o crescimento da criança e de nenhuma pressão sobre ela. Se faz necessário o estabelecimento de um clima de aprendizagem, de compromisso, até que seja possível uma inteira liberdade para aprender.
O ensino está centrado na pessoa (primado do sujeito), o que implica técnicas de dirigir sem dirigir, ou seja, dirigir a pessoa à sua própria experiência para que, dessa forma, ela possa estruturar-se e agir. A não-diretividade consiste num conjunto de técnicas que implementa a atitude básica de confiança e respeito pelo aluno.
A não-diretividade pretende ser um método não estruturante do processo de aprendizagem, pelo qual o professor se abstém de intervir diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo valores, objetos etc, constituindo-se apenas num método informante do processo de aprendizagem do aluno, pelo qual o professor não dirige propriamente esse processo, mas apenas se limita a facilitar a comunicação do estudante consigo mesmo, para ele mesmo estruturar seu comportamento experiencial.
O professor é, primariamente, uma personalidade única. É considerado como um único ser humano que aprendeu a usar-se efetiva e eficientemente para realização de seus próprios propósitos e os da sociedade, na educação de todos. Cada professor desenvolverá seu próprio repertório de uma forma única, decorrente da base perceptual de seu comportamento. O processo de ensino irá depender do caráter individual do professor, como ele se inter-relaciona com o caráter individual do aluno. A competência básica consistiria, unicamente, na habilidade de compreender-se e de compreender ou outros.
A autenticidade e a congruência são consideradas condições facilitadoras da aprendizagem, as quais, por sua vez, irão facilitar um processo de autenticidade ou congruência na pessoa ajudada. Isso implica que o professor deva aceitar tal como é e compreender os sentimentos que ele possui.
Para Rogers, quando consideramos as características políticas da educação, percebe-se que o modelo tradicional situa-se num dos pólos de um conjunto que tem em seu pólo oposto uma abordagem centrada na pessoa.
Na abordagem tradicional: 1. Os professores são os possuidores de conhecimento, os alunos são os supostos recipientes; 2. A aula expositiva, ou outros recursos de instrução verbal, é o principal recurso para incutir conhecimentos nos alunos. Os exames medem o quanto eles o adquiriram; 3. Os professores são os detentores do poder, os alunos os que obedecem. O controle é sempre exercido de cima para baixo; 4. Dominar através da autoridade é a política vigente em sala de aula. A figura de autoridade – o professor – é a figura central na educação; 5. A confiança é mínima; 6. Os sujeitos (alunos) são mais bem governados se mantidos num estado intermitente ou constante medo; 7. A democracia e seus valores são ignorados na prática. Os alunos não participam da escolha de suas metas, currículos ou estilos de estudos individuais. Escolhe-se por eles; 8. Não há lugar para pessoas inteiras no sistema educacional, só há lugar para seus intelectos.

Por sua vez, a abordagem centrada na pessoa se apresenta como oposta a anterior. 1. Pré-condição: Os líderes, ou pessoas percebidas como representantes da autoridade na situação, são seguras interiormente e em seus relacionamentos pessoais, de modo a confiarem na capacidade das outras pessoas de pensar, sentir e aprender por si mesmas; 2. As pessoas facilitadoras compartilham com as outras – os estudantes, e se possível também os pais ou membros da comunidade – a responsabilidade pelo processo de aprendizagem; 3. Os facilitadores oferecem recursos de aprendizagem – de dentro de si mesmo, de suas próprias experiências, de livros ou de outros materiais ou de experiências da comunidade; 4. Os estudantes desenvolvem seus próprios programas de aprendizagem, individualmente ou em cooperação; 5. Cria-se um clima facilitador da aprendizagem; 6. O foco da aprendizagem é, primordialmente, a promoção da continuidade do processo de aprendizagem; 7. A disciplina necessária à consecução das metas dos estudantes é a autodisciplina, e é reconhecida e aceita pelos alunos como de sua responsabilidade. A autodisciplina substitui a disciplina externa; 8ª avaliação da extensão e do significado da aprendizagem de cada um é feita primordialmente pelo próprio aluno; 9. Neste clima de promoção do crescimento, a aprendizagem tende a ser mais profunda, processar-se mais rapidamente e ser mais penetrante na vida e no comportamento dos alunos que a aprendizagem realizada na sala de aula tradicional.

TEORIA GENÉTICO-COGNITIVISTA DE JEAN PIAGET


Prof. Josenildo Silva de Souza1


O objetivo desse texto é apresentar os conceitos básicos da teoria genético-cognitivista de Piaget, bem como, a maneira pela qual a referida teoria concebe o desenvolvimento mental do indivíduo.
Jean Piaget (1896-1980), desde muito cedo demonstrou interesse pela natureza e pelas ciências formando-se em Biologia e Filosofia. Sua formação em biologia levou-o a pressupor que os processos de conhecimento poderiam depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico. Seus estudos epistemológicos demonstravam que tanto as ações externas como os processos de pensamento implicavam uma organização lógica e a partir dessa constatação procurou apresentar uma solução ao problema do conhecimento humano. Assim, dedicou-se a investigar cientificamente como se constrói o conhecimento. Ele considerou que se estudasse cuidadosa e profundamente a maneira pela qual as crianças constroem as noções fundamentais de conhecimento lógico – tais como as de tempo, espaço, objeto, causalidade etc – poderia compreender a gênese e a evolução do conhecimento.
Inicialmente, Piaget trabalhou com Binet e Simon, psicólogos franceses, que por volta de 1905, tentavam elaborar um instrumento para medir a inteligência das crianças que frequentavam as escolas francesas. Tal instrumento – o teste de inteligência Binet-Simon – foi o primeiro teste destinado a fornecer a idade mental do indivíduo. Ao analisar as respostas das crianças ao teste, Piaget começou a se interessar pelas respostas erradas, salientando que estas só erravam porque as respostas eram analisadas a partir do ponto de vista do adulto. As respostas erradas eram, com frequência, mais interessantes que as corretas uma vez que as crianças da mesma idade e com mesmo desenvolvimento cognitivo cometiam os mesmos tipo de erros nas respostas, fato que o levou a uma conclusão importante: para compreender o pensamento da criança é necessário olhar com mais atenção para a qualidade da solução por ela apresentada.
A teoria genético-cognitivista de Piaget, se insere na concepção interacionista de desenvolvimento e aprendizagem. Para os psicólogos interacionistas, os indivíduos procuram sempre de forma ativa, compreender aquilo que vivenciam e explicar aquilo que lhes é estranho, construindo hipóteses que lhes pareçam razoáveis. Eles destacam que o organismo e meio exercem ação recíproca. Um influencia o outro e essa interação acarreta mudanças sobre o indivíduo.
A concepção interacionista de desenvolvimento e aprendizagem apoia-se, portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio.
É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças que, desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características (seu modo de agir, pensar e sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento).
A partir de seus estudos, Piaget constatou que a criança possui uma lógica própria de funcionamento mental que difere – qualitativamente – da lógica do funcionamento mental do adulto. Propôs-se, então a investigar como, através de quais mecanismos, a lógica infantil se transforma em lógica adulta.
Segundo Piaget, o desenvolvimento psíquico, que começa quando nascemos e termina na idade adulta, é comparável ao crescimento orgânico: como este, orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio. A vida mental pode ser concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito adulto.
A noção de equilíbrio é o alicerce da teoria de Piaget. Segundo ele, todo organismo procura manter um estado de equilíbrio ou de adaptação com seu meio, agindo de forma a superar perturbações na relação que ele estabelece com o meio. O processo dinâmico e constante do organismo buscar um novo e superior estado de equilíbrio é denominado de equilibração majorante.
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no indivíduo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente provoca a ruptura do estado de repouso.
Dois mecanismos são acionados para alcançar um novo estado de equilíbrio. O primeiro recebe o nome de assimilação. Através dele o organismo – sem alterar suas estruturas – desenvolve ações destinadas a atribuir significados, a partir da sua experiência anterior, aos elementos do ambiente com os quais interage. Isto quer dizer que: na assimilação existe o processo de incorporação das coisas e pessoas à atividade própria do sujeito, isto é, assimilar o mundo exterior às estruturas já construídas. O outro mecanismo é chamado de acomodação. Nele, organismo é impelido a modificar, a reajustar, a transformar as estruturas já construídas para acomodá-las aos objetos externos, isto é, às demandas impostas pelo ambiente. Embora assimilação e acomodação sejam processos distintos e opostos, na realidade eles ocorrem ao mesmo tempo. Exemplo: quando um aluno se depara com um conteúdo novo, que não faz parte do seu universo de conhecimento, ele se desequilibra. Assim ele aciona o mecanismo de assimilação na medida em que passa a atribuir significados a esse novo conteúdo a partir de sua experiência anterior. Ao mesmo tempo, para compreender melhor o novo conteúdo se faz necessário que ele mude sua postura, em termos de estratégia de leitura, por exemplo, para poder assimilá-lo melhor.
Ora, assimilando assim os objetos, a ação e o pensamento são compelidos a se acomodarem a estes, isto é, a se reajustarem por ocasião de cada variação exterior. Pode-se chamar adaptação ao equilíbrio destas assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio psíquico. O desenvolvimento mental e a aprendizagem aparecerão, então, em sua organização progressiva como uma adaptação sempre mais precisa à realidade. Piaget definiu o desenvolvimento como sendo um processo de equilibrações sucessivas. Segundo ele, o desenvolvimento passa por quatro etapas distintas. Cada período um momento do desenvolvimento como um todo, ao longo do qual a criança constrói determinadas estruturas cognitivas. Um novo estágio se diferencia dos precedentes pelas evidências, no comportamento, de que a criança dispõe de novos esquemas contendo propriedades funcionais diferentes das observadas nos esquemas anteriores. A ordem ou sequência em que as crianças atravessam essas etapas é sempre a mesma, variando apenas o ritmo com que cada uma adquire as novas habilidades. Em função das diferenças individuais e do meio ambiente, existem variações quanto à idade em que as crianças atravessam essas fases.
A etapa sensório-motor vai do nascimento até, aproximadamente, os dois anos de idade. Essa etapa, segundo Piaget, é marcada por extraordinário desenvolvimento mental. Muitas vezes mal se suspeitou da importância dela; isto porque ela não é acompanhada de palavras que permitam seguir, passo a passo, o progresso da inteligência e dos sentimentos, como mais tarde. Nela, a criança baseia-se exclusivamente em percepções sensoriais e em esquemas motores para resolver seus problemas, que são essencialmente práticos: bater numa caixa, pegar um objeto, jogar uma bola, etc. Nesse período considera-se que a criança não possui pensamento. Isto porque, nessa idade, a criança não dispõe ainda da capacidade de representar eventos, de evocar o passado e de referir-se ao futuro, pois só conseguirá representar esses feitos mediante o aparecimento da linguagem que só ocorrerá na etapa seguinte.
Os esquemas sensório-motores são construídos a partir de reflexos inatos, usados pelo bebê para lidar com o meio ambiente. Dentre as principais aquisições do período sensório-motor, estão a noção de permanência de objeto, quando ele descobre um objeto embaixo de uma tolha, por exemplo, e a noção de “eu”, através da qual a criança diferencia o mundo externo do seu próprio corpo. O bebê o explora, percebe suas diversas partes, experimenta emoções diferentes, formando a base do seu autoconceito. Nessa etapa, a criança irá elaborar a sua organização psicológica básica, seja no aspecto motor, no perceptivo, no afetivo, no social e no intelectual.
A etapa pré-operatória, que passa a ocorrer por volta dos dois anos, é marcada pelo aparecimento da linguagem oral. A troca e a comunicação entre os indivíduos são a consequência mais evidente do aparecimento da linguagem Ela permitirá a criança dispor – além da inteligência prática construída na fase anterior – da possibilidade de ter esquemas de ação interiorizados, chamados de esquemas representativos ou simbólicos, ou seja, esquemas que envolvem uma ideia preexistente a respeito de algo. Ela pode, por exemplo, substituir objetos, ações, situações e pessoas por símbolos, que são as palavras. Assim, tem origem, então, o pensamento sustentado por conceitos.
A linguagem permite ao sujeito contar suas ações, fornece de uma só vez a capacidade de reconstituir o passado, portanto, de evocá-lo na ausência de objetos sobre os quais se referiram as condutas anteriores, de antecipar as ações futuras, ainda não executadas, e até substituí-las, às vezes, pela palavra isolada, sem nunca realizá-las. Este é o ponto de partida do pensamento.
O pensamento pré-operatório indica, portanto, inteligência capaz de ações interiorizadas, ações mentais. Ele é diferente do pensamento do adulto, pois depende das experiências infantis, refere-se a elas, sendo portanto um pensamento que a criança centra em si mesma. É o pensamento egocêntrico. É o pensamento que tem como ponto de referência a própria criança. É impossível para criança nessa fase se colocar no ponto de vista dos outros.
Outra característica do pensamento da criança nesta etapa é o animismo. A criança empresta alma as coisas e animais, atribuindo-lhes sentimentos e intenções próprios do ser humano. Além do animismo, o pensamento da criança apresenta outra característica. È o antropomorfismo ou a atribuição de uma forma humana a objetos e animais.
O pensamento pré-operatório é também extremamente dependente da percepção imediata, sofrendo com isto uma série de distorções. Uma criança de cerca de cinco anos terá dificuldade em considerar iguais duas filas compostas do mesmo número de elementos, se uma delas parecer mais comprida que a outra. Naturalmente, a fila que parece maior será considerada como contendo mais elementos, mesmo que a criança tenha-se certificado, anteriormente, de que as quantidades eram, em uma e outra fila, absolutamente iguais. Isto quer dizer que a noção de conservação ainda não foi desenvolvida pela criança.
Este período é chamado de pré-operatório porque a criança ainda não é capaz de perceber que é possível retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Se pedíssemos a uma criança para acrescentar dois lápis a uma determinada quantidade de lápis e depois para retirar a mesma quantidade ela não entenderá que permaneceu a mesma quantidade a não ser que faça a contagem novamente.
Na etapa operatório concreta, por volta dos sete anos, o pensamento da criança sofre grandes modificações pois coincide com o começo da escolaridade da criança. Em primeiro lugar, é nesta etapa que o pensamento lógico, objetivo, adquire preponderância. Ao longo dela, as ações interiorizadas vão-se tornando cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O pensamento se torna menos egocêntrico, menos centrado no sujeito. Em segundo lugar, o pensamento é chamado operatório porque é reversível: o sujeito pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Por exemplo: 3+5=8, sabe que 8-3=5, ou ainda, 8-5=3.
A construção das operações possibilita, assim, a elaboração da noção de conservação. O pensamento agora baseia-se mais no raciocínio que na percepção. A criança operatória tem noção de conservação quanto à massa, peso e volume dos objetos. No entanto, o pensamento operatório é denominado concreto porque a criança só consegue pensar corretamente nesta etapa se os exemplos ou materiais que ela utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e podem ser observados. Ela ainda não consegue pensar abstratamente, apenas com base em proposições e enunciados. Ela só consegue pensar corretamente, com lógica, se o conteúdo do seu pensamento estiver representando fielmente a realidade concreta.
A etapa operatório-formal reside no fato de que o pensamento se torna livre das limitações da realidade concreta. A partir dos 13 anos, a criança se torna capaz de raciocinar logicamente mesmo se o conteúdo do ser pensamento, raciocínio é falso. Ela pode pensar de modo lógico e correto mesmo com um conteúdo de pensamento incompatível com o real.
A libertação do pensamento das amarras do mundo concreto, adquirido no operatório-formal, permitirá ao adolescente pensar e trabalhar não só com a realidade concreta, mas também com a realidade possível. A partir dos 13 anos o raciocínio pode, pela primeira vez, utilizar hipóteses, visto que estas não são, em princípio, nem falsas nem verdadeiras: são apenas possibilidades. A construção típica da etapa operatório-formal é, assim, o raciocínio hipotético-dedutivo: é ele que permitirá ao adolescente estender seu pensamento até o infinito.
É por isso que o adolescente, contando agora com essa ampla capacidade de pensar o mundo, abandona-se, com freqüência, ao exercício de montar grandes sistemas de explicação e transformação do universo, da matéria, do espírito ou da sociedade.


BIBLIOGRAFIA

PALANGANA, Isilda. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do social. São Paulo: Plexus,1998.

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: forense, 1967.
1Professor e Psicólogo