quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA DE CARL ROGERS


Josenildo Silva de Souza
 
O objetivo desta aula é apresentar, de maneira resumida, as idéias centrais da abordagem centrada na pessoa a qual foi desenvolvida a partir da experiência clínica do psicólogo americano Carl Rogers e como ela pode ser trabalhada em prol do aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Rogers, há um campo de experiência único para cada indivíduo; este campo de experiência ou campo fenomenal contém tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, e que está potencialmente disponível à consciência. Inclui eventos, percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa não toma consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos. É um estímulo privativo e pessoal que pode ou não corresponder à realidade objetiva.
Dentro do campo da experiência está o self. Rogers usa o self para se referir ao contínuo processo de reconhecimento da pessoa. O self ou autoconceito é a visão que uma pessoa tem de si própria, baseada em experiências passadas, estimulações presentes e expectativas futuras.
O self ideal é o conjunto de características que o indivíduo mais gostaria de poder reclamar como sendo descritivas de si mesmo. A extensão da diferença entre o self e o self ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas. Quanto maior a extensão da diferença, maiores as possibilidades da pessoa está vivenciando uma experiência neurótica. Aceitar-se como se é na realidade, e não como se quer ser, é um sinal de saúde mental. Aceitar-se não é resignar-se ou abdicar de si mesmo; isto é, não significa que o indivíduo deva se conformar com sua real situação, mas sim, tomar consciência dela de maneira que a partir dela possa extrair motivações para o crescimento. É uma forma de estar mais perto da realidade, de seu estado atual. A imagem do self ideal, na medida em que se diferencia de modo claro do comportamento e dos valores reais de uma pessoa é um obstáculo ao crescimento pessoal.
Segundo Rogers, a hipótese central dessa abordagem pode ser colocada em poucas palavras. Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para autocompreensão e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima, passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras;
Há três condições que devem estar presentes para que se crie um clima facilitador de crescimento. Estas condições se aplicam, na realidade, a qualquer situação na qual o objetivo seja o desenvolvimento da pessoa.
O primeiro elemento diz respeito a autenticidade, sinceridade ou congruência. Quanto mais o indivíduo for ele mesmo na relação com o outro, quanto mais puder remover as barreiras profissionais ou pessoais, maior a probabilidade de que o outro mude e cresça de um modo construtivo. Isso significa que o indivíduo está vivendo abertamente os sentimentos e atitudes que fluem naquele momento. O termo transparente expressa bem essa condição: o indivíduo se faz transparente para o outro. O outro pode ver claramente o que o indivíduo é na relação: o outro não se defronta com qualquer resistência por parte do indivíduo. Do mesmo modo que para o indivíduo, o que o outro vive pode se tornar consciente, pode ser vivido na relação e pode ser comunicado se for conveniente. Portanto, dá-se uma grande correspondência, ou congruência, entre o que está sendo vivido em nível profundo, o que está na consciência e o que está sendo expresso pelo outro.
Congruência é definida como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência. Ela se relaciona às discrepâncias entre experienciar e tomar consciência. Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que você está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em seu campo) e a tomada de consciência (o que você está percebendo) são todas semelhantes. Suas observações e as de um observador externo seriam consistentes.
A incongruência ocorre quando há diferenças entre a tomada de consciência, a experiência e a comunicação desta. É definida não só como inabilidade de perceber com precisão mas também como inabilidade ou incapacidade de comunicação precisa. Quando a incongruência está entre a tomada de consciência e a experiência, é chamada de repressão. A pessoa simplesmente não tem consciência do que está fazendo. Quando a incongruência é uma discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação a pessoa não expressa o que está realmente sentindo, pensando ou experienciando.
A segunda atitude importante na criação de um clima que facilite a mudança é a aceitação, o interesse e a consideração – aceitação incondicional. Quando o indivíduo está tendo uma atitude positiva, aceitadora, em relação ao que quer que o outro seja naquele momento, a probabilidade de ocorrer um movimento de mudança aumenta. O indivíduo que deseja que o outro expresse o sentimento que está ocorrendo no momento, qualquer que seja ele – confusão, ressentimento, medo, raiva, coragem, amor ou orgulho. O indivíduo tem uma consideração integral e não condicional pelo cliente, daí porque se faz necessário que a pessoa esteja aberta a tudo o que o outro tem a dizer para poder compreende-lo plenamente e se fazer compreendido.
O terceiro aspecto facilitador da relação é a compreensão empática. Com isso quero dizer que o indivíduo capta com precisão os sentimentos e os significados pessoais que o outro está vivendo e comunica essa compreensão a ele. Quando está em sua melhor forma, o indivíduo pode entrar tão profundamente no mundo interno do outro que se torna capaz de esclarecer não só o significado que o outro está consciente como também do que se encontra abaixo do nível de consciência.
Se as pessoas são aceitas e consideradas, elas tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relação a si mesmas. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Mas, à medida em que uma pessoa compreende e considera o seu eu, este se torna mais congruente com suas próprias experiências. A pessoa torna-se então mais verdadeira, mais genuína. Essas tendências, que são a recíproca das atitudes dos outros, permitem que a pessoa seja uma propiciadora mais eficiente de seu próprio crescimento. Sente-se mais livre para ser uma pessoa verdadeira e integral.
A prática, a teoria e a pesquisa deixam claro que a abordagem centrada na pessoa baseia-se na confiança em todos os seres humanos e em todos os organismos. Em cada organismo, não importa em que nível, há um fluxo subjacente de movimento em direção à realização construtiva das possibilidades que lhes são inerentes. Há também nos seres humanos uma tendência natural a um desenvolvimento mais completo e mais complexo. A expressão mais usada para designar esse processo é a tendência realizadora, presente em todos os organismos vivos.
A necessidade de explorar e de produzir mudanças no ambiente, a necessidade de brincar e de se auto-explorar – todos esses e muitos outros comportamentos são expressão dessa tendência auto-realizadora.
Os organismos estão sempre em busca de algo, sempre iniciando algo, sempre prontos para alguma coisa. Há uma fonte central de energia no organismo humano. Essa fonte é uma função do sistema como um todo, e não de uma parte dele. A maneira mais simples de conceitua-la é como uma tendência à plenitude, à auto-realização, que abrange não só a manutenção mas também o crescimento do organismo.
Tendência formativa é uma tendência sempre atuante em direção a uma ordem crescente e a uma complexidade inter-relacionada, visível tanto no nível inorgânico como no orgânico. O universo está em constante construção e criação, assim como em deterioração. Este processo também é evidente no ser humano.
Qual o papel desempenhado por nossa consciência nessa função formativa? A capacidade de prestar atenção consciente parece ser uma das mais recentes etapas evolutivas da espécie humana. Essa capacidade pode ser caracterizada como um pequeníssimo pico de consciência, de capacidade de simbolização, no topo de uma vasta pirâmide de funcionamento não consciente do organismo. Tudo indica que o organismo humano vem progredindo em direção a um desenvolvimento cada vez mais pleno da consciência.
Havendo maior autoconsciência torna-se possível uma escolha mais bem fundamentada, uma escolha mais livre de introjeções, uma escolha consciente mais em sintonia com o fluxo evolutivo. Essa pessoa está potencialmente mais consciente, não só dos estímulos como também das idéias e sonhos, do fluxo de sentimentos, emoções e reações fisiológicas advindas do seu interior. Quanto maior essa consciência, mais a pessoa flutuará segura numa direção afinada com o fluxo evolutivo.
Portanto, essa abordagem dá ênfase a relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta, centrado no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, em seus processos de construção e organização pessoal da realidade, e em sua capacidade de atuar, como pessoa integrada. Dá-se igualmente ênfase à vida psicológica e emocional do indivíduo e à preocupação com a sua orientação interna, com o auto conceito, com o desenvolvimento de uma visão autêntica de si mesmo, orientada para uma realidade individual e grupal.
Como essa abordagem concebe o homem, o conhecimento, a educação, a escola, o processo ensino-aprendizagem, a relação professor-aluno, a metodologia e a avaliação do aluno?
O homem é considerado como uma pessoa situada no mundo. É único, quer em sua vida interior, quer em suas percepções e avaliações do mundo. A pessoa é considerada em processo contínuo de descoberta de seu próprio ser, ligando-se a outras pessoas e grupos. O homem não nasce com um fim determinado, mas goza de liberdade plena e se apresenta como um projeto permanente e inacabado. Não é resultado, cria-se a si próprio. É, portanto, possuidor de uma existência não condicionada a priori . A crença na fé e a confiança na capacidade da pessoa, em seu próprio crescimento, constituem o pressuposto básico da teoria rogeriana.
A experiência pessoal e subjetiva é o fundamento sobre o qual o conhecimento é construído, no decorrer do processo do vir-a-ser da pessoa humana. É atribuído ao sujeito, portanto, papel central e primordial na elaboração e criação do conhecimento. Ao experienciar, o homem conhece. A experiência constitui, pois, um conjunto de realidades vividas pelo homem, realidades essas que possuem significados reais e concretos para ele e que funciona, ao mesmo tempo, como ponto de partida para mudança e crescimento, já que nada é acabado e o conhecimento possui uma característica dinâmica.
A educação tem como finalidade primeira a criação de condições que facilitem a aprendizagem do aluno, e como objetivo básico liberar a sua capacidade de auto-aprendizagem de forma que seja possível seu desenvolvimento tanto intelectual quanto emocional. Seria a criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-se pessoas de iniciativa, de responsabilidade, de autodeterminação, de discernimento, que soubessem aplicar-se a aprender as coisas que lhes servirão para a solução de seus problemas e que tais conhecimentos os capacitassem a se adaptar com flexibilidade às novas situações, aos novos problemas, servindo-se da própria experiência, com espírito livre e criativo. Tudo que estiver a serviço do crescimento pessoal, interpessoal ou intergrupal é educação.
Em relação a escola, o princípio básico consiste na idéia da não interferência com o crescimento da criança e de nenhuma pressão sobre ela. Se faz necessário o estabelecimento de um clima de aprendizagem, de compromisso, até que seja possível uma inteira liberdade para aprender.
O ensino está centrado na pessoa (primado do sujeito), o que implica técnicas de dirigir sem dirigir, ou seja, dirigir a pessoa à sua própria experiência para que, dessa forma, ela possa estruturar-se e agir. A não-diretividade consiste num conjunto de técnicas que implementa a atitude básica de confiança e respeito pelo aluno.
A não-diretividade pretende ser um método não estruturante do processo de aprendizagem, pelo qual o professor se abstém de intervir diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo valores, objetos etc, constituindo-se apenas num método informante do processo de aprendizagem do aluno, pelo qual o professor não dirige propriamente esse processo, mas apenas se limita a facilitar a comunicação do estudante consigo mesmo, para ele mesmo estruturar seu comportamento experiencial.
O professor é, primariamente, uma personalidade única. É considerado como um único ser humano que aprendeu a usar-se efetiva e eficientemente para realização de seus próprios propósitos e os da sociedade, na educação de todos. Cada professor desenvolverá seu próprio repertório de uma forma única, decorrente da base perceptual de seu comportamento. O processo de ensino irá depender do caráter individual do professor, como ele se inter-relaciona com o caráter individual do aluno. A competência básica consistiria, unicamente, na habilidade de compreender-se e de compreender ou outros.
A autenticidade e a congruência são consideradas condições facilitadoras da aprendizagem, as quais, por sua vez, irão facilitar um processo de autenticidade ou congruência na pessoa ajudada. Isso implica que o professor deva aceitar tal como é e compreender os sentimentos que ele possui.
Para Rogers, quando consideramos as características políticas da educação, percebe-se que o modelo tradicional situa-se num dos pólos de um conjunto que tem em seu pólo oposto uma abordagem centrada na pessoa.
Na abordagem tradicional: 1. Os professores são os possuidores de conhecimento, os alunos são os supostos recipientes; 2. A aula expositiva, ou outros recursos de instrução verbal, é o principal recurso para incutir conhecimentos nos alunos. Os exames medem o quanto eles o adquiriram; 3. Os professores são os detentores do poder, os alunos os que obedecem. O controle é sempre exercido de cima para baixo; 4. Dominar através da autoridade é a política vigente em sala de aula. A figura de autoridade – o professor – é a figura central na educação; 5. A confiança é mínima; 6. Os sujeitos (alunos) são mais bem governados se mantidos num estado intermitente ou constante medo; 7. A democracia e seus valores são ignorados na prática. Os alunos não participam da escolha de suas metas, currículos ou estilos de estudos individuais. Escolhe-se por eles; 8. Não há lugar para pessoas inteiras no sistema educacional, só há lugar para seus intelectos.

Por sua vez, a abordagem centrada na pessoa se apresenta como oposta a anterior. 1. Pré-condição: Os líderes, ou pessoas percebidas como representantes da autoridade na situação, são seguras interiormente e em seus relacionamentos pessoais, de modo a confiarem na capacidade das outras pessoas de pensar, sentir e aprender por si mesmas; 2. As pessoas facilitadoras compartilham com as outras – os estudantes, e se possível também os pais ou membros da comunidade – a responsabilidade pelo processo de aprendizagem; 3. Os facilitadores oferecem recursos de aprendizagem – de dentro de si mesmo, de suas próprias experiências, de livros ou de outros materiais ou de experiências da comunidade; 4. Os estudantes desenvolvem seus próprios programas de aprendizagem, individualmente ou em cooperação; 5. Cria-se um clima facilitador da aprendizagem; 6. O foco da aprendizagem é, primordialmente, a promoção da continuidade do processo de aprendizagem; 7. A disciplina necessária à consecução das metas dos estudantes é a autodisciplina, e é reconhecida e aceita pelos alunos como de sua responsabilidade. A autodisciplina substitui a disciplina externa; 8ª avaliação da extensão e do significado da aprendizagem de cada um é feita primordialmente pelo próprio aluno; 9. Neste clima de promoção do crescimento, a aprendizagem tende a ser mais profunda, processar-se mais rapidamente e ser mais penetrante na vida e no comportamento dos alunos que a aprendizagem realizada na sala de aula tradicional.

TEORIA GENÉTICO-COGNITIVISTA DE JEAN PIAGET


Prof. Josenildo Silva de Souza1


O objetivo desse texto é apresentar os conceitos básicos da teoria genético-cognitivista de Piaget, bem como, a maneira pela qual a referida teoria concebe o desenvolvimento mental do indivíduo.
Jean Piaget (1896-1980), desde muito cedo demonstrou interesse pela natureza e pelas ciências formando-se em Biologia e Filosofia. Sua formação em biologia levou-o a pressupor que os processos de conhecimento poderiam depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico. Seus estudos epistemológicos demonstravam que tanto as ações externas como os processos de pensamento implicavam uma organização lógica e a partir dessa constatação procurou apresentar uma solução ao problema do conhecimento humano. Assim, dedicou-se a investigar cientificamente como se constrói o conhecimento. Ele considerou que se estudasse cuidadosa e profundamente a maneira pela qual as crianças constroem as noções fundamentais de conhecimento lógico – tais como as de tempo, espaço, objeto, causalidade etc – poderia compreender a gênese e a evolução do conhecimento.
Inicialmente, Piaget trabalhou com Binet e Simon, psicólogos franceses, que por volta de 1905, tentavam elaborar um instrumento para medir a inteligência das crianças que frequentavam as escolas francesas. Tal instrumento – o teste de inteligência Binet-Simon – foi o primeiro teste destinado a fornecer a idade mental do indivíduo. Ao analisar as respostas das crianças ao teste, Piaget começou a se interessar pelas respostas erradas, salientando que estas só erravam porque as respostas eram analisadas a partir do ponto de vista do adulto. As respostas erradas eram, com frequência, mais interessantes que as corretas uma vez que as crianças da mesma idade e com mesmo desenvolvimento cognitivo cometiam os mesmos tipo de erros nas respostas, fato que o levou a uma conclusão importante: para compreender o pensamento da criança é necessário olhar com mais atenção para a qualidade da solução por ela apresentada.
A teoria genético-cognitivista de Piaget, se insere na concepção interacionista de desenvolvimento e aprendizagem. Para os psicólogos interacionistas, os indivíduos procuram sempre de forma ativa, compreender aquilo que vivenciam e explicar aquilo que lhes é estranho, construindo hipóteses que lhes pareçam razoáveis. Eles destacam que o organismo e meio exercem ação recíproca. Um influencia o outro e essa interação acarreta mudanças sobre o indivíduo.
A concepção interacionista de desenvolvimento e aprendizagem apoia-se, portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio.
É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças que, desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características (seu modo de agir, pensar e sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento).
A partir de seus estudos, Piaget constatou que a criança possui uma lógica própria de funcionamento mental que difere – qualitativamente – da lógica do funcionamento mental do adulto. Propôs-se, então a investigar como, através de quais mecanismos, a lógica infantil se transforma em lógica adulta.
Segundo Piaget, o desenvolvimento psíquico, que começa quando nascemos e termina na idade adulta, é comparável ao crescimento orgânico: como este, orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio. A vida mental pode ser concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito adulto.
A noção de equilíbrio é o alicerce da teoria de Piaget. Segundo ele, todo organismo procura manter um estado de equilíbrio ou de adaptação com seu meio, agindo de forma a superar perturbações na relação que ele estabelece com o meio. O processo dinâmico e constante do organismo buscar um novo e superior estado de equilíbrio é denominado de equilibração majorante.
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no indivíduo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente provoca a ruptura do estado de repouso.
Dois mecanismos são acionados para alcançar um novo estado de equilíbrio. O primeiro recebe o nome de assimilação. Através dele o organismo – sem alterar suas estruturas – desenvolve ações destinadas a atribuir significados, a partir da sua experiência anterior, aos elementos do ambiente com os quais interage. Isto quer dizer que: na assimilação existe o processo de incorporação das coisas e pessoas à atividade própria do sujeito, isto é, assimilar o mundo exterior às estruturas já construídas. O outro mecanismo é chamado de acomodação. Nele, organismo é impelido a modificar, a reajustar, a transformar as estruturas já construídas para acomodá-las aos objetos externos, isto é, às demandas impostas pelo ambiente. Embora assimilação e acomodação sejam processos distintos e opostos, na realidade eles ocorrem ao mesmo tempo. Exemplo: quando um aluno se depara com um conteúdo novo, que não faz parte do seu universo de conhecimento, ele se desequilibra. Assim ele aciona o mecanismo de assimilação na medida em que passa a atribuir significados a esse novo conteúdo a partir de sua experiência anterior. Ao mesmo tempo, para compreender melhor o novo conteúdo se faz necessário que ele mude sua postura, em termos de estratégia de leitura, por exemplo, para poder assimilá-lo melhor.
Ora, assimilando assim os objetos, a ação e o pensamento são compelidos a se acomodarem a estes, isto é, a se reajustarem por ocasião de cada variação exterior. Pode-se chamar adaptação ao equilíbrio destas assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio psíquico. O desenvolvimento mental e a aprendizagem aparecerão, então, em sua organização progressiva como uma adaptação sempre mais precisa à realidade. Piaget definiu o desenvolvimento como sendo um processo de equilibrações sucessivas. Segundo ele, o desenvolvimento passa por quatro etapas distintas. Cada período um momento do desenvolvimento como um todo, ao longo do qual a criança constrói determinadas estruturas cognitivas. Um novo estágio se diferencia dos precedentes pelas evidências, no comportamento, de que a criança dispõe de novos esquemas contendo propriedades funcionais diferentes das observadas nos esquemas anteriores. A ordem ou sequência em que as crianças atravessam essas etapas é sempre a mesma, variando apenas o ritmo com que cada uma adquire as novas habilidades. Em função das diferenças individuais e do meio ambiente, existem variações quanto à idade em que as crianças atravessam essas fases.
A etapa sensório-motor vai do nascimento até, aproximadamente, os dois anos de idade. Essa etapa, segundo Piaget, é marcada por extraordinário desenvolvimento mental. Muitas vezes mal se suspeitou da importância dela; isto porque ela não é acompanhada de palavras que permitam seguir, passo a passo, o progresso da inteligência e dos sentimentos, como mais tarde. Nela, a criança baseia-se exclusivamente em percepções sensoriais e em esquemas motores para resolver seus problemas, que são essencialmente práticos: bater numa caixa, pegar um objeto, jogar uma bola, etc. Nesse período considera-se que a criança não possui pensamento. Isto porque, nessa idade, a criança não dispõe ainda da capacidade de representar eventos, de evocar o passado e de referir-se ao futuro, pois só conseguirá representar esses feitos mediante o aparecimento da linguagem que só ocorrerá na etapa seguinte.
Os esquemas sensório-motores são construídos a partir de reflexos inatos, usados pelo bebê para lidar com o meio ambiente. Dentre as principais aquisições do período sensório-motor, estão a noção de permanência de objeto, quando ele descobre um objeto embaixo de uma tolha, por exemplo, e a noção de “eu”, através da qual a criança diferencia o mundo externo do seu próprio corpo. O bebê o explora, percebe suas diversas partes, experimenta emoções diferentes, formando a base do seu autoconceito. Nessa etapa, a criança irá elaborar a sua organização psicológica básica, seja no aspecto motor, no perceptivo, no afetivo, no social e no intelectual.
A etapa pré-operatória, que passa a ocorrer por volta dos dois anos, é marcada pelo aparecimento da linguagem oral. A troca e a comunicação entre os indivíduos são a consequência mais evidente do aparecimento da linguagem Ela permitirá a criança dispor – além da inteligência prática construída na fase anterior – da possibilidade de ter esquemas de ação interiorizados, chamados de esquemas representativos ou simbólicos, ou seja, esquemas que envolvem uma ideia preexistente a respeito de algo. Ela pode, por exemplo, substituir objetos, ações, situações e pessoas por símbolos, que são as palavras. Assim, tem origem, então, o pensamento sustentado por conceitos.
A linguagem permite ao sujeito contar suas ações, fornece de uma só vez a capacidade de reconstituir o passado, portanto, de evocá-lo na ausência de objetos sobre os quais se referiram as condutas anteriores, de antecipar as ações futuras, ainda não executadas, e até substituí-las, às vezes, pela palavra isolada, sem nunca realizá-las. Este é o ponto de partida do pensamento.
O pensamento pré-operatório indica, portanto, inteligência capaz de ações interiorizadas, ações mentais. Ele é diferente do pensamento do adulto, pois depende das experiências infantis, refere-se a elas, sendo portanto um pensamento que a criança centra em si mesma. É o pensamento egocêntrico. É o pensamento que tem como ponto de referência a própria criança. É impossível para criança nessa fase se colocar no ponto de vista dos outros.
Outra característica do pensamento da criança nesta etapa é o animismo. A criança empresta alma as coisas e animais, atribuindo-lhes sentimentos e intenções próprios do ser humano. Além do animismo, o pensamento da criança apresenta outra característica. È o antropomorfismo ou a atribuição de uma forma humana a objetos e animais.
O pensamento pré-operatório é também extremamente dependente da percepção imediata, sofrendo com isto uma série de distorções. Uma criança de cerca de cinco anos terá dificuldade em considerar iguais duas filas compostas do mesmo número de elementos, se uma delas parecer mais comprida que a outra. Naturalmente, a fila que parece maior será considerada como contendo mais elementos, mesmo que a criança tenha-se certificado, anteriormente, de que as quantidades eram, em uma e outra fila, absolutamente iguais. Isto quer dizer que a noção de conservação ainda não foi desenvolvida pela criança.
Este período é chamado de pré-operatório porque a criança ainda não é capaz de perceber que é possível retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Se pedíssemos a uma criança para acrescentar dois lápis a uma determinada quantidade de lápis e depois para retirar a mesma quantidade ela não entenderá que permaneceu a mesma quantidade a não ser que faça a contagem novamente.
Na etapa operatório concreta, por volta dos sete anos, o pensamento da criança sofre grandes modificações pois coincide com o começo da escolaridade da criança. Em primeiro lugar, é nesta etapa que o pensamento lógico, objetivo, adquire preponderância. Ao longo dela, as ações interiorizadas vão-se tornando cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O pensamento se torna menos egocêntrico, menos centrado no sujeito. Em segundo lugar, o pensamento é chamado operatório porque é reversível: o sujeito pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Por exemplo: 3+5=8, sabe que 8-3=5, ou ainda, 8-5=3.
A construção das operações possibilita, assim, a elaboração da noção de conservação. O pensamento agora baseia-se mais no raciocínio que na percepção. A criança operatória tem noção de conservação quanto à massa, peso e volume dos objetos. No entanto, o pensamento operatório é denominado concreto porque a criança só consegue pensar corretamente nesta etapa se os exemplos ou materiais que ela utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e podem ser observados. Ela ainda não consegue pensar abstratamente, apenas com base em proposições e enunciados. Ela só consegue pensar corretamente, com lógica, se o conteúdo do seu pensamento estiver representando fielmente a realidade concreta.
A etapa operatório-formal reside no fato de que o pensamento se torna livre das limitações da realidade concreta. A partir dos 13 anos, a criança se torna capaz de raciocinar logicamente mesmo se o conteúdo do ser pensamento, raciocínio é falso. Ela pode pensar de modo lógico e correto mesmo com um conteúdo de pensamento incompatível com o real.
A libertação do pensamento das amarras do mundo concreto, adquirido no operatório-formal, permitirá ao adolescente pensar e trabalhar não só com a realidade concreta, mas também com a realidade possível. A partir dos 13 anos o raciocínio pode, pela primeira vez, utilizar hipóteses, visto que estas não são, em princípio, nem falsas nem verdadeiras: são apenas possibilidades. A construção típica da etapa operatório-formal é, assim, o raciocínio hipotético-dedutivo: é ele que permitirá ao adolescente estender seu pensamento até o infinito.
É por isso que o adolescente, contando agora com essa ampla capacidade de pensar o mundo, abandona-se, com freqüência, ao exercício de montar grandes sistemas de explicação e transformação do universo, da matéria, do espírito ou da sociedade.


BIBLIOGRAFIA

PALANGANA, Isilda. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do social. São Paulo: Plexus,1998.

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: forense, 1967.
1Professor e Psicólogo