Prof.
Josenildo Silva de Souza1
O
objetivo desse texto é apresentar os conceitos básicos da teoria
genético-cognitivista de Piaget, bem como, a maneira pela qual a referida teoria concebe o desenvolvimento mental do indivíduo.
Jean Piaget (1896-1980), desde
muito cedo demonstrou interesse pela natureza e pelas ciências
formando-se em Biologia e Filosofia. Sua formação em biologia
levou-o a pressupor que os processos de conhecimento poderiam
depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico. Seus estudos
epistemológicos demonstravam que tanto as ações externas como os
processos de pensamento implicavam uma organização lógica e a
partir dessa constatação procurou apresentar uma solução ao
problema do conhecimento humano. Assim, dedicou-se a investigar
cientificamente como se constrói o conhecimento. Ele considerou que
se estudasse cuidadosa e profundamente a maneira pela qual as
crianças constroem as noções fundamentais de conhecimento lógico
– tais como as de tempo, espaço, objeto, causalidade etc –
poderia compreender a gênese e a evolução do conhecimento.
Inicialmente, Piaget trabalhou
com Binet e Simon, psicólogos franceses, que por volta de 1905,
tentavam elaborar um instrumento para medir a inteligência das
crianças que frequentavam as escolas francesas. Tal instrumento –
o teste de inteligência Binet-Simon – foi o primeiro teste
destinado a fornecer a idade mental do indivíduo. Ao analisar as
respostas das crianças ao teste, Piaget começou a se interessar
pelas respostas erradas, salientando que estas só erravam porque as
respostas eram analisadas a partir do ponto de vista do adulto. As
respostas erradas eram, com frequência, mais interessantes que as
corretas uma vez que as crianças da mesma idade e com mesmo
desenvolvimento cognitivo cometiam os mesmos tipo de erros nas
respostas, fato que o levou a uma conclusão importante: para
compreender o pensamento da criança é necessário olhar com mais
atenção para a qualidade da solução por ela apresentada.
A
teoria genético-cognitivista de Piaget, se insere na concepção
interacionista de desenvolvimento e aprendizagem. Para os psicólogos
interacionistas, os indivíduos procuram sempre de forma ativa,
compreender aquilo que vivenciam e explicar aquilo que lhes é
estranho, construindo hipóteses que lhes pareçam razoáveis. Eles
destacam que o organismo e meio exercem ação recíproca. Um
influencia o outro e essa interação acarreta mudanças sobre o
indivíduo.
A concepção interacionista de
desenvolvimento e aprendizagem apoia-se, portanto, na ideia de
interação entre organismo e meio e vê a aquisição de
conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante
toda sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido
passivamente graças às pressões do meio.
É através da interação com
outras pessoas, adultos e crianças que, desde o nascimento, o bebê
vai construindo suas características (seu modo de agir, pensar e
sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento).
A partir de seus estudos, Piaget
constatou que a criança possui uma lógica própria de funcionamento
mental que difere – qualitativamente – da lógica do
funcionamento mental do adulto. Propôs-se, então a investigar como,
através de quais mecanismos, a lógica infantil se transforma em
lógica adulta.
Segundo Piaget, o
desenvolvimento psíquico, que começa quando nascemos e termina na
idade adulta, é comparável ao crescimento orgânico: como este,
orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio. A vida mental pode
ser concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio
final, representada pelo espírito adulto.
A noção de equilíbrio é o
alicerce da teoria de Piaget. Segundo ele, todo organismo procura
manter um estado de equilíbrio ou de adaptação com seu meio,
agindo de forma a superar perturbações na relação que ele
estabelece com o meio. O processo dinâmico e constante do organismo
buscar um novo e superior estado de equilíbrio é denominado de
equilibração majorante.
Para Piaget, o desenvolvimento
cognitivo do indivíduo ocorre através de constantes desequilíbrios
e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica
no indivíduo ou a mudança de alguma característica do meio
ambiente provoca a ruptura do estado de repouso.
Dois mecanismos são acionados
para alcançar um novo estado de equilíbrio. O primeiro recebe o
nome de assimilação. Através dele o organismo – sem alterar suas
estruturas – desenvolve ações destinadas a atribuir significados,
a partir da sua experiência anterior, aos elementos do ambiente com
os quais interage. Isto quer dizer que: na assimilação existe o
processo de incorporação das coisas e pessoas à atividade própria
do sujeito, isto é, assimilar o mundo exterior às estruturas já
construídas. O outro mecanismo é chamado de acomodação. Nele,
organismo é impelido a modificar, a reajustar, a transformar as
estruturas já construídas para acomodá-las aos objetos externos,
isto é, às demandas impostas pelo ambiente. Embora assimilação e
acomodação sejam processos distintos e opostos, na realidade eles
ocorrem ao mesmo tempo. Exemplo: quando um aluno se depara com um
conteúdo novo, que não faz parte do seu universo de conhecimento,
ele se desequilibra. Assim ele aciona o mecanismo de assimilação na
medida em que passa a atribuir significados a esse novo conteúdo a
partir de sua experiência anterior. Ao mesmo tempo, para compreender
melhor o novo conteúdo se faz necessário que ele mude sua postura,
em termos de estratégia de leitura, por exemplo, para poder
assimilá-lo melhor.
Ora, assimilando assim os
objetos, a ação e o pensamento são compelidos a se acomodarem a
estes, isto é, a se reajustarem por ocasião de cada variação
exterior. Pode-se chamar adaptação ao equilíbrio destas
assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio
psíquico. O desenvolvimento mental e a aprendizagem aparecerão,
então, em sua organização progressiva como uma adaptação sempre
mais precisa à realidade. Piaget definiu o desenvolvimento como
sendo um processo de equilibrações sucessivas. Segundo ele, o
desenvolvimento passa por quatro etapas distintas. Cada período um
momento do desenvolvimento como um todo, ao longo do qual a criança
constrói determinadas estruturas cognitivas. Um novo estágio se
diferencia dos precedentes pelas evidências, no comportamento, de
que a criança dispõe de novos esquemas contendo propriedades
funcionais diferentes das observadas nos esquemas anteriores. A ordem
ou sequência em que as crianças atravessam essas etapas é sempre a
mesma, variando apenas o ritmo com que cada uma adquire as novas
habilidades. Em função das diferenças individuais e do meio
ambiente, existem variações quanto à idade em que as crianças
atravessam essas fases.
A etapa sensório-motor vai do
nascimento até, aproximadamente, os dois anos de idade. Essa etapa,
segundo Piaget, é marcada por extraordinário desenvolvimento
mental. Muitas vezes mal se suspeitou da importância dela; isto
porque ela não é acompanhada de palavras que permitam seguir, passo
a passo, o progresso da inteligência e dos sentimentos, como mais
tarde. Nela, a criança baseia-se exclusivamente em percepções
sensoriais e em esquemas motores para resolver seus problemas, que
são essencialmente práticos: bater numa caixa, pegar um objeto,
jogar uma bola, etc. Nesse período considera-se que a criança não
possui pensamento. Isto porque, nessa idade, a criança não dispõe
ainda da capacidade de representar eventos, de evocar o passado e de
referir-se ao futuro, pois só conseguirá representar esses feitos
mediante o aparecimento da linguagem que só ocorrerá na etapa
seguinte.
Os esquemas sensório-motores
são construídos a partir de reflexos inatos, usados pelo bebê para
lidar com o meio ambiente. Dentre as principais aquisições do
período sensório-motor, estão a noção de permanência de objeto,
quando ele descobre um objeto embaixo de uma tolha, por exemplo, e a
noção de “eu”, através da qual a criança diferencia o mundo
externo do seu próprio corpo. O bebê o explora, percebe suas
diversas partes, experimenta emoções diferentes, formando a base do
seu autoconceito. Nessa etapa, a criança irá elaborar a sua
organização psicológica básica, seja no aspecto motor, no
perceptivo, no afetivo, no social e no intelectual.
A etapa pré-operatória, que
passa a ocorrer por volta dos dois anos, é marcada pelo aparecimento
da linguagem oral. A troca e a comunicação entre os indivíduos são
a consequência mais evidente do aparecimento da linguagem Ela
permitirá a criança dispor – além da inteligência prática
construída na fase anterior – da possibilidade de ter esquemas de
ação interiorizados, chamados de esquemas representativos ou
simbólicos, ou seja, esquemas que envolvem uma ideia preexistente a
respeito de algo. Ela pode, por exemplo, substituir objetos, ações,
situações e pessoas por símbolos, que são as palavras. Assim, tem
origem, então, o pensamento sustentado por conceitos.
A linguagem permite ao sujeito
contar suas ações, fornece de uma só vez a capacidade de
reconstituir o passado, portanto, de evocá-lo na ausência de
objetos sobre os quais se referiram as condutas anteriores, de
antecipar as ações futuras, ainda não executadas, e até
substituí-las, às vezes, pela palavra isolada, sem nunca
realizá-las. Este é o ponto de partida do pensamento.
O pensamento pré-operatório
indica, portanto, inteligência capaz de ações interiorizadas,
ações mentais. Ele é diferente do pensamento do adulto, pois
depende das experiências infantis, refere-se a elas, sendo portanto
um pensamento que a criança centra em si mesma. É o pensamento
egocêntrico. É o pensamento que tem como ponto de referência a
própria criança. É impossível para criança nessa fase se colocar
no ponto de vista dos outros.
Outra característica do
pensamento da criança nesta etapa é o animismo. A criança empresta
alma as coisas e animais, atribuindo-lhes sentimentos e intenções
próprios do ser humano. Além do animismo, o pensamento da criança
apresenta outra característica. È o antropomorfismo ou a atribuição
de uma forma humana a objetos e animais.
O pensamento pré-operatório é
também extremamente dependente da percepção imediata, sofrendo com
isto uma série de distorções. Uma criança de cerca de cinco anos
terá dificuldade em considerar iguais duas filas compostas do mesmo
número de elementos, se uma delas parecer mais comprida que a outra.
Naturalmente, a fila que parece maior será considerada como contendo
mais elementos, mesmo que a criança tenha-se certificado,
anteriormente, de que as quantidades eram, em uma e outra fila,
absolutamente iguais. Isto quer dizer que a noção de conservação
ainda não foi desenvolvida pela criança.
Este período é chamado de
pré-operatório porque a criança ainda não é capaz de perceber
que é possível retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Se
pedíssemos a uma criança para acrescentar dois lápis a uma
determinada quantidade de lápis e depois para retirar a mesma
quantidade ela não entenderá que permaneceu a mesma quantidade a
não ser que faça a contagem novamente.
Na etapa operatório concreta,
por volta dos sete anos, o pensamento da criança sofre grandes
modificações pois coincide com o começo da escolaridade da
criança. Em primeiro lugar, é nesta etapa que o pensamento lógico,
objetivo, adquire preponderância. Ao longo dela, as ações
interiorizadas vão-se tornando cada vez mais reversíveis e,
portanto, móveis e flexíveis. O pensamento se torna menos
egocêntrico, menos centrado no sujeito. Em segundo lugar, o
pensamento é chamado operatório porque é reversível: o sujeito
pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Por exemplo: 3+5=8,
sabe que 8-3=5, ou ainda, 8-5=3.
A construção das operações
possibilita, assim, a elaboração da noção de conservação. O
pensamento agora baseia-se mais no raciocínio que na percepção. A
criança operatória tem noção de conservação quanto à massa,
peso e volume dos objetos. No entanto, o pensamento operatório é
denominado concreto porque a criança só consegue pensar
corretamente nesta etapa se os exemplos ou materiais que ela utiliza
para apoiar seu pensamento existem mesmo e podem ser observados. Ela
ainda não consegue pensar abstratamente, apenas com base em
proposições e enunciados. Ela só consegue pensar corretamente, com
lógica, se o conteúdo do seu pensamento estiver representando
fielmente a realidade concreta.
A etapa operatório-formal
reside no fato de que o pensamento se torna livre das limitações da
realidade concreta. A partir dos 13 anos, a criança se torna capaz
de raciocinar logicamente mesmo se o conteúdo do ser pensamento,
raciocínio é falso. Ela pode pensar de modo lógico e correto mesmo
com um conteúdo de pensamento incompatível com o real.
A libertação do pensamento das
amarras do mundo concreto, adquirido no operatório-formal, permitirá
ao adolescente pensar e trabalhar não só com a realidade concreta,
mas também com a realidade possível. A partir dos 13 anos o
raciocínio pode, pela primeira vez, utilizar hipóteses, visto que
estas não são, em princípio, nem falsas nem verdadeiras: são
apenas possibilidades. A construção típica da etapa
operatório-formal é, assim, o raciocínio hipotético-dedutivo: é
ele que permitirá ao adolescente estender seu pensamento até o
infinito.
É por isso que o adolescente,
contando agora com essa ampla capacidade de pensar o mundo,
abandona-se, com freqüência, ao exercício de montar grandes
sistemas de explicação e transformação do universo, da matéria,
do espírito ou da sociedade.
BIBLIOGRAFIA
PALANGANA,
Isilda. Desenvolvimento
e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do social.
São Paulo: Plexus,1998.
PIAGET,
Jean. Seis estudos de
psicologia. Rio de
Janeiro: forense, 1967.
1Professor
e Psicólogo
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