quinta-feira, 18 de outubro de 2012

TEORIA GENÉTICO-COGNITIVISTA DE JEAN PIAGET


Prof. Josenildo Silva de Souza1


O objetivo desse texto é apresentar os conceitos básicos da teoria genético-cognitivista de Piaget, bem como, a maneira pela qual a referida teoria concebe o desenvolvimento mental do indivíduo.
Jean Piaget (1896-1980), desde muito cedo demonstrou interesse pela natureza e pelas ciências formando-se em Biologia e Filosofia. Sua formação em biologia levou-o a pressupor que os processos de conhecimento poderiam depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico. Seus estudos epistemológicos demonstravam que tanto as ações externas como os processos de pensamento implicavam uma organização lógica e a partir dessa constatação procurou apresentar uma solução ao problema do conhecimento humano. Assim, dedicou-se a investigar cientificamente como se constrói o conhecimento. Ele considerou que se estudasse cuidadosa e profundamente a maneira pela qual as crianças constroem as noções fundamentais de conhecimento lógico – tais como as de tempo, espaço, objeto, causalidade etc – poderia compreender a gênese e a evolução do conhecimento.
Inicialmente, Piaget trabalhou com Binet e Simon, psicólogos franceses, que por volta de 1905, tentavam elaborar um instrumento para medir a inteligência das crianças que frequentavam as escolas francesas. Tal instrumento – o teste de inteligência Binet-Simon – foi o primeiro teste destinado a fornecer a idade mental do indivíduo. Ao analisar as respostas das crianças ao teste, Piaget começou a se interessar pelas respostas erradas, salientando que estas só erravam porque as respostas eram analisadas a partir do ponto de vista do adulto. As respostas erradas eram, com frequência, mais interessantes que as corretas uma vez que as crianças da mesma idade e com mesmo desenvolvimento cognitivo cometiam os mesmos tipo de erros nas respostas, fato que o levou a uma conclusão importante: para compreender o pensamento da criança é necessário olhar com mais atenção para a qualidade da solução por ela apresentada.
A teoria genético-cognitivista de Piaget, se insere na concepção interacionista de desenvolvimento e aprendizagem. Para os psicólogos interacionistas, os indivíduos procuram sempre de forma ativa, compreender aquilo que vivenciam e explicar aquilo que lhes é estranho, construindo hipóteses que lhes pareçam razoáveis. Eles destacam que o organismo e meio exercem ação recíproca. Um influencia o outro e essa interação acarreta mudanças sobre o indivíduo.
A concepção interacionista de desenvolvimento e aprendizagem apoia-se, portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio.
É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças que, desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características (seu modo de agir, pensar e sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento).
A partir de seus estudos, Piaget constatou que a criança possui uma lógica própria de funcionamento mental que difere – qualitativamente – da lógica do funcionamento mental do adulto. Propôs-se, então a investigar como, através de quais mecanismos, a lógica infantil se transforma em lógica adulta.
Segundo Piaget, o desenvolvimento psíquico, que começa quando nascemos e termina na idade adulta, é comparável ao crescimento orgânico: como este, orienta-se, essencialmente, para o equilíbrio. A vida mental pode ser concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito adulto.
A noção de equilíbrio é o alicerce da teoria de Piaget. Segundo ele, todo organismo procura manter um estado de equilíbrio ou de adaptação com seu meio, agindo de forma a superar perturbações na relação que ele estabelece com o meio. O processo dinâmico e constante do organismo buscar um novo e superior estado de equilíbrio é denominado de equilibração majorante.
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no indivíduo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente provoca a ruptura do estado de repouso.
Dois mecanismos são acionados para alcançar um novo estado de equilíbrio. O primeiro recebe o nome de assimilação. Através dele o organismo – sem alterar suas estruturas – desenvolve ações destinadas a atribuir significados, a partir da sua experiência anterior, aos elementos do ambiente com os quais interage. Isto quer dizer que: na assimilação existe o processo de incorporação das coisas e pessoas à atividade própria do sujeito, isto é, assimilar o mundo exterior às estruturas já construídas. O outro mecanismo é chamado de acomodação. Nele, organismo é impelido a modificar, a reajustar, a transformar as estruturas já construídas para acomodá-las aos objetos externos, isto é, às demandas impostas pelo ambiente. Embora assimilação e acomodação sejam processos distintos e opostos, na realidade eles ocorrem ao mesmo tempo. Exemplo: quando um aluno se depara com um conteúdo novo, que não faz parte do seu universo de conhecimento, ele se desequilibra. Assim ele aciona o mecanismo de assimilação na medida em que passa a atribuir significados a esse novo conteúdo a partir de sua experiência anterior. Ao mesmo tempo, para compreender melhor o novo conteúdo se faz necessário que ele mude sua postura, em termos de estratégia de leitura, por exemplo, para poder assimilá-lo melhor.
Ora, assimilando assim os objetos, a ação e o pensamento são compelidos a se acomodarem a estes, isto é, a se reajustarem por ocasião de cada variação exterior. Pode-se chamar adaptação ao equilíbrio destas assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio psíquico. O desenvolvimento mental e a aprendizagem aparecerão, então, em sua organização progressiva como uma adaptação sempre mais precisa à realidade. Piaget definiu o desenvolvimento como sendo um processo de equilibrações sucessivas. Segundo ele, o desenvolvimento passa por quatro etapas distintas. Cada período um momento do desenvolvimento como um todo, ao longo do qual a criança constrói determinadas estruturas cognitivas. Um novo estágio se diferencia dos precedentes pelas evidências, no comportamento, de que a criança dispõe de novos esquemas contendo propriedades funcionais diferentes das observadas nos esquemas anteriores. A ordem ou sequência em que as crianças atravessam essas etapas é sempre a mesma, variando apenas o ritmo com que cada uma adquire as novas habilidades. Em função das diferenças individuais e do meio ambiente, existem variações quanto à idade em que as crianças atravessam essas fases.
A etapa sensório-motor vai do nascimento até, aproximadamente, os dois anos de idade. Essa etapa, segundo Piaget, é marcada por extraordinário desenvolvimento mental. Muitas vezes mal se suspeitou da importância dela; isto porque ela não é acompanhada de palavras que permitam seguir, passo a passo, o progresso da inteligência e dos sentimentos, como mais tarde. Nela, a criança baseia-se exclusivamente em percepções sensoriais e em esquemas motores para resolver seus problemas, que são essencialmente práticos: bater numa caixa, pegar um objeto, jogar uma bola, etc. Nesse período considera-se que a criança não possui pensamento. Isto porque, nessa idade, a criança não dispõe ainda da capacidade de representar eventos, de evocar o passado e de referir-se ao futuro, pois só conseguirá representar esses feitos mediante o aparecimento da linguagem que só ocorrerá na etapa seguinte.
Os esquemas sensório-motores são construídos a partir de reflexos inatos, usados pelo bebê para lidar com o meio ambiente. Dentre as principais aquisições do período sensório-motor, estão a noção de permanência de objeto, quando ele descobre um objeto embaixo de uma tolha, por exemplo, e a noção de “eu”, através da qual a criança diferencia o mundo externo do seu próprio corpo. O bebê o explora, percebe suas diversas partes, experimenta emoções diferentes, formando a base do seu autoconceito. Nessa etapa, a criança irá elaborar a sua organização psicológica básica, seja no aspecto motor, no perceptivo, no afetivo, no social e no intelectual.
A etapa pré-operatória, que passa a ocorrer por volta dos dois anos, é marcada pelo aparecimento da linguagem oral. A troca e a comunicação entre os indivíduos são a consequência mais evidente do aparecimento da linguagem Ela permitirá a criança dispor – além da inteligência prática construída na fase anterior – da possibilidade de ter esquemas de ação interiorizados, chamados de esquemas representativos ou simbólicos, ou seja, esquemas que envolvem uma ideia preexistente a respeito de algo. Ela pode, por exemplo, substituir objetos, ações, situações e pessoas por símbolos, que são as palavras. Assim, tem origem, então, o pensamento sustentado por conceitos.
A linguagem permite ao sujeito contar suas ações, fornece de uma só vez a capacidade de reconstituir o passado, portanto, de evocá-lo na ausência de objetos sobre os quais se referiram as condutas anteriores, de antecipar as ações futuras, ainda não executadas, e até substituí-las, às vezes, pela palavra isolada, sem nunca realizá-las. Este é o ponto de partida do pensamento.
O pensamento pré-operatório indica, portanto, inteligência capaz de ações interiorizadas, ações mentais. Ele é diferente do pensamento do adulto, pois depende das experiências infantis, refere-se a elas, sendo portanto um pensamento que a criança centra em si mesma. É o pensamento egocêntrico. É o pensamento que tem como ponto de referência a própria criança. É impossível para criança nessa fase se colocar no ponto de vista dos outros.
Outra característica do pensamento da criança nesta etapa é o animismo. A criança empresta alma as coisas e animais, atribuindo-lhes sentimentos e intenções próprios do ser humano. Além do animismo, o pensamento da criança apresenta outra característica. È o antropomorfismo ou a atribuição de uma forma humana a objetos e animais.
O pensamento pré-operatório é também extremamente dependente da percepção imediata, sofrendo com isto uma série de distorções. Uma criança de cerca de cinco anos terá dificuldade em considerar iguais duas filas compostas do mesmo número de elementos, se uma delas parecer mais comprida que a outra. Naturalmente, a fila que parece maior será considerada como contendo mais elementos, mesmo que a criança tenha-se certificado, anteriormente, de que as quantidades eram, em uma e outra fila, absolutamente iguais. Isto quer dizer que a noção de conservação ainda não foi desenvolvida pela criança.
Este período é chamado de pré-operatório porque a criança ainda não é capaz de perceber que é possível retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Se pedíssemos a uma criança para acrescentar dois lápis a uma determinada quantidade de lápis e depois para retirar a mesma quantidade ela não entenderá que permaneceu a mesma quantidade a não ser que faça a contagem novamente.
Na etapa operatório concreta, por volta dos sete anos, o pensamento da criança sofre grandes modificações pois coincide com o começo da escolaridade da criança. Em primeiro lugar, é nesta etapa que o pensamento lógico, objetivo, adquire preponderância. Ao longo dela, as ações interiorizadas vão-se tornando cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O pensamento se torna menos egocêntrico, menos centrado no sujeito. Em segundo lugar, o pensamento é chamado operatório porque é reversível: o sujeito pode retornar, mentalmente, ao ponto de partida. Por exemplo: 3+5=8, sabe que 8-3=5, ou ainda, 8-5=3.
A construção das operações possibilita, assim, a elaboração da noção de conservação. O pensamento agora baseia-se mais no raciocínio que na percepção. A criança operatória tem noção de conservação quanto à massa, peso e volume dos objetos. No entanto, o pensamento operatório é denominado concreto porque a criança só consegue pensar corretamente nesta etapa se os exemplos ou materiais que ela utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e podem ser observados. Ela ainda não consegue pensar abstratamente, apenas com base em proposições e enunciados. Ela só consegue pensar corretamente, com lógica, se o conteúdo do seu pensamento estiver representando fielmente a realidade concreta.
A etapa operatório-formal reside no fato de que o pensamento se torna livre das limitações da realidade concreta. A partir dos 13 anos, a criança se torna capaz de raciocinar logicamente mesmo se o conteúdo do ser pensamento, raciocínio é falso. Ela pode pensar de modo lógico e correto mesmo com um conteúdo de pensamento incompatível com o real.
A libertação do pensamento das amarras do mundo concreto, adquirido no operatório-formal, permitirá ao adolescente pensar e trabalhar não só com a realidade concreta, mas também com a realidade possível. A partir dos 13 anos o raciocínio pode, pela primeira vez, utilizar hipóteses, visto que estas não são, em princípio, nem falsas nem verdadeiras: são apenas possibilidades. A construção típica da etapa operatório-formal é, assim, o raciocínio hipotético-dedutivo: é ele que permitirá ao adolescente estender seu pensamento até o infinito.
É por isso que o adolescente, contando agora com essa ampla capacidade de pensar o mundo, abandona-se, com freqüência, ao exercício de montar grandes sistemas de explicação e transformação do universo, da matéria, do espírito ou da sociedade.


BIBLIOGRAFIA

PALANGANA, Isilda. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do social. São Paulo: Plexus,1998.

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: forense, 1967.
1Professor e Psicólogo

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