segunda-feira, 24 de maio de 2010

OS TRÊS ESTADOS DA MATÉRIA E DA APRENDIZAGEM



Josenildo Silva de Souza


Segundo algumas concepções pedagógicas, o processo de ensino-aprendizagem deve partir do conhecimento que o aluno tem sobre assunto que será ministrado pelo professor. Ao fazer esse resgate, o professor pode ter uma ligeira impressão sobre o nível de conhecimento que seus alunos têm e, a partir daí, conduzir o seu trabalho de maneira a atingir os objetivos propostos pelo projeto político pedagógico da instituição na qual atua. O que acontecerá se os alunos não demonstrarem possuir conhecimento algum sobre um determinado assunto? Ou, se pelos menos, o conhecimento possuídos por eles for insuficiente para que o professor possa iniciar sua aula a partir deles? O que fazer diante dessas situações? Questões como essas e outras afligem os professores.

No início de cada aula, os professores fazem perguntas aos seus alunos sobre os conteúdos que eles irão ministrar e obtem como resposta, na sua grande maioria, um silêncio ensurdecedor, quando não, respostas vagas, superficiais e sem sentido. Muitas vezes essas perguntas versam sobre assuntos que foram trabalhados nas disciplinas anteriores os quais são pré-requisitos e imprescindíveis para a introdução do novo conhecimento e que deveriam fazer parte do repertório daqueles já adquiridos, aprendidos pelos alunos. Para a surpresa de todos professores e alunos, os conteúdos ministrados nas outras disciplinas passaram desapercebidos sem deixar vestígio algum tal como a matéria, estudada pelos físicos, que passa do estado sólido para o líquido e, do líquido, para o gasoso. Evaporou-se.

De acordo com a maioria das propostas presentes nos projetos políticos pedagógicos, todo e qualquer conteúdo definido e selecionado para ser trabalhado em sala de aula na formação de qualquer aluno deve permanecer por um lungo período de tempo em estado sólido, isto é, fazendo parte da vida deste aluno por um longo período, para assegurarmos que o que foi ensinado efetivamente foi aprendido. Só há ensino quando há aprendizagem. A analogia com o estado sólido da matéria se justifica pois, como os próprios físicos afirmam, o estado sólido é caracterizado por ter volume e forma definidos. Sua forma pode ser mudada só pela aplicação de uma força considerável. Esta rigidez da forma é o resultado da ação de fortes forças entre as moléculas do sólido que as mantém em posições relativas fixas.

Assim sendo, para que um determinado conteúdo escolar possa permanecer por um longo período em estado sólido, isto é, fazendo parte do saber do aluno é necessário que seja trabalhado de maneira tal que, de posse dele, possa aplicá-lo nos mais diversos contextos constatando, assim, sua veracidade e seu valor prático, só sendo modificado e/ou substituído por outro quando não mais conseguir dá respostas aos problemas exigidos pela realidade. Afinal, a ciência e a filosofia só avançam quando os modelos explicativos ou paradigmas, como queiram, já não conseguem guiar os homens na busca de soluções para os problemas que enfrentam. Os gregos da antiguidade buscaram modelos explicativos que pudessem vencer as limitações do tempo e do espaço. Foram eles que introduziram na ciência e na filosofia, pela primeira vez, conceitos universais. Quando se fala hoje em dia em crise de paradigmas, fim das meta-narrativas, dos grandes modelos explicativos ou coisas do gênero, defendidos pelos teóricos pós-modernos, devemos ter em mente que a ênfase se desloca dos conceitos universais para conceitos locais os quais mudam constatemente de significado. Desse modo, trocamos o permanente pelo efêmero. Precisamos voltar a Parmênides e Heráclito!

Essa situação traz como consequência uma formação que se desloca da ênfase no ensino para a ênfase no aprender. Do conteúdo a ser ensinado para omelhor método de ensinar. O importante agora é aprender a aprender. O professor deixa de ser aquele possuidor de determinados saberes que com sua autoridade conduzia o processo de ensino-aprendizagem para ser um facilitador da aprendizagem. Não nos causa supresa o fato de muitos cursos de formação de professores serem negligentes nessa formação levando a situação na qual os professores estarem apenas a um passo a frente de seus alunos, quando não no menos degrau que eles. Só há ensino e aprendizagem na diferença, nos adverte Marilena Chauí. Segundo ela, no início do processo deve haver assimentria para que ao final do processo haja simetria.

Quando não conseguimos que o conhecimento permaneça em estado sólido, mas em estado líquido, a situação muda de figura. Diferentemente do estado sólido, o estado líquido é caracterizado por ter um volume definido mas não uma forma definida. Um líquido toma a forma do recipiente que o contém. Tem um volume definido, que mantém apesar das mudanças de sua forma.

Se transpusermos essa situação para o processo de ensino-aprendizagem veremos que o conteúdo ministrado em sala de aula vai assumir a forma, a característica tal como ele foi apreendido, assimilado pelo aluno. Como os alunos têem características e aptidões diferentes e formas de relacionamento com os conteúdos escolares, também de maneira diferentes, ainda assim podemos vislumbrar um pouco de esperança. Podemos resgatar a forma com cada um assimilou e, a partir daí traçarmos um perfil seja da classe como um todo seja de um aluno em particular. Assim, podemos criar a situação na qual, cada um a sua maneira, possa expor seu entendimento e confrontá-lo com o entendimento dos demais alunos e do professor para, dessa maneira, se chegar a um consenso mais próximo possível da verdade. Aqui, a apropriação do conhecimento fica entregue aos caprichos do aluno, caprichos esses que podem se limitar ao momento presente, aos interesses que sugem na imediaticidade e que podem ser substituidos por outro com a mesma facilidade e rapidez com que o outro foi apreendido. Aprender rapidamente esse é o lema. De acordo com Bauman, “não menos crucial que a capacidade de aprender rapidamente é a capacidade de esquecer instataneamente o que se aprendeu antes”.

O problema tornar-se mais preocupante e desesperador quando o conteúdo entra em estado gasoso. Este, segundo os físicos, se caracteriza por não ter nem volume e nem forma definidos. Um gás, por exemplo, expandir-se-á para ocupar qualquer recipiente em que seja colocado, e se o recipiente for aberto o gás sairá pela abertura.

No caso do processo de ensino-aprendizagem isso significa que o conteúdo ministrado em sala de aula não deixou rastro algum, evaporou-se, ninguém sabe mais nada a respeito. Em outras palavras, é como se os alunos e professores tivessem vivenciado uma dada experiência acadêmica que não deixou vestígio algum, não foi significativo, não deixou saudades. É isso que tem atormentado professores, alunos e todos que lidam diretamente com a educação. Estamos perdendo um princípio educacional criado pelos antigos sábios gregos que inventaram a noção de paidéia, qual seja: a educação por toda a vida. O que devemos esperar da presente condição humana quando esse princípio for deixado de lado de uma vez por todas? Algo de bom e virtuoso, com certeza não!




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