segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Pesquisar e Lavar Roupa Suja


PESQUISAR E LAVAR ROUPA SUJA

Josenildo Silva de Souza

Pra onde vai com essa trouxa, nada nada, Mariá?
Na cacimba só tem água pra beber
Pouca água deixa a roupa mal lavada Mariá
Lavar roupa também tem o que aprender
(Catuaba com Amendoim)

Em plena tarde de segunda feira, eu estava deitado em minha rede. Não lembro, ao certo, em que data se deu. Mas, isso não importa. O que importa, afinal, foi exatamente o que aconteceu. Há os que consideram a segunda feira o dia em que temos que repor as peças estragadas pelos excessos cometidos no final de semana. Outros são mais extravagantes, ao ponto de considerar que esse dia não deveria se quer existir. Há momentos em que concordo ora com os primeiros, ora com os segundos. Contudo, foi nesse dia que me ocorreu um fato extraordinário, inimaginável, até então.
Dona Joaninha, uma gentil senhora que eu contrato para me prestar seus excelentes e indispensáveis serviços, chegou na minha residência por volta das 13:30 hs a procura de trabalho para fazer naquela dia. Todos, que me conhecem, sabem que não sou muito amistoso à ideia de atender, seja lá quem for, antes das 14:00 hs e, mais ainda, numa segunda feira. Sem me dar conta, eu havia deixado a porta do meu apartamento fechada só no trinco. Como ela tinha o hábito de bater na porta e ir logo entrando, não tive tempo de deixá-la esperando por alguns instantes ou tomando um chá de cadeira na linguagem popular. Só sei que tive de atendê-la. Há um ditado popular que diz que há males que vem para o bem. E não é que é verdade!
Dona Joaninha, ao me procurar, queria saber se eu tinha alguma roupa suja para lavar pois ela estaria pronta para prestar-me seus excelentes e indispensáveis serviços, tal como disse anteriormente. Pois bem! Eu disse a ela, mentindo evidentemente, que ela tinha chegado em boa hora e que tinha sim roupas sujas para serem lavadas, o que a deixou muito feliz. Afinal, ela não se queixa da quantia, em dinheiro, que eu pago por esses serviços.
Naquele dia, eu estava muito preocupado com o conteúdo da disciplina Princípios e Métodos na Pesquisa Educacional que, na ocasião, eu estava ministrando no 5º período do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú. A minha preocupação, era decorrente das dificuldades encontradas pelos alunos em compreenderem os textos que eu havia selecionado para levar a bom termo a compreensão do que seria uma pesquisa e, especificamente, pesquisa educacional. Talvez o erro da escolha dos textos tenha sido meu e não dos alunos. Eu tenho uma dificuldade enorme em atribuir aos outros os erros que cometo. Por isso, me pus a refletir sobre o que estava acontecendo. Por que estava sendo tão difícil trabalhar aqueles textos em sala de aula? Como levar os alunos a compreenderem o que é pesquisa educacional com textos que eles apresentavam dificuldades de compreensão? O que eu deveria fazer naquela situação? Perguntas como essas e outras atormentavam a minha cabeça, me deixavam sem dormir! Me lembrei, na ocasião, de um trecho da letra de uma canção de Raul Seixas na qual ele diz: “eu que não me sento no trono do apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar...”. 1
Antes que a morte chegasse, uma luz iluminou o meu caminho! Comecei a observar o trabalho de Dona Joaninha. Ela tinha algo a fazer! E esse algo a fazer começou com uma pergunta. Vamos ao diálogo que eu estabeleci com ela:
  • Professor! O senhor tem roupa suja para que eu possa lavar? Foi a pergunta que ela me fez.
  • Tenho sim, Dona Joaninha! Eu disse.
  • Posso lavar, agora? Uma segunda pergunta.
  • Claro que sim! Foi minha resposta.

Nosso diálogo foi muito breve, como vocês puderam ver. Pois, “quando se sabe ouvir não precisa muitas palavras” 2. Como se pode ver, a natureza do nosso encontro e diálogo se deu em função da insistência de Dona Joaninha em responder uma única pergunta, qual seja: saber se tinha roupa suja para lavar. Toda e qualquer pesquisa começa por uma pergunta, um problema que os homens precisam responder. Esses problemas não surgem na cabeça dos homens ao acaso. Surgem a partir dos problemas que a realidade concreta disponibiliza para os homens ou, evidentemente, quando eles problematizam a realidade. Não se pode fazer pesquisa quem não tem um problema a resolver. Essa foi a primeira lição que aprendi naquela segunda feira.
Diante da resposta positiva que recebeu, Dona Joaninha começou a trabalhar. A cada ação, gesto cometido por ela, meus olhos ficavam atentos, observando. Afinal, foi Aristóteles quem fez, pela primeira vez, essa afirmação: “nada está na mente humana, sem antes ter passado pelos órgãos dos sentidos. Os órgãos dos sentidos é a porta de entrada de todo e qualquer conhecimento”.
Dona Joaninha começou a juntar as roupas sujas. Procurou em todos os lugares onde elas poderiam estar. Juntou tudo! Juntou uma montanha de roupas! Na linguagem da pesquisa científica isso significa: coletou dados, informações onde quer que elas se encontrassem. Não parou de juntá-las até o momento em constatou que todas, ou parte delas, estavam ali naquele amontoado.
Após juntar tudo, ela começou a separá-las. Num canto ela colocou as peças pequenas. Noutro, as peças grandes. Separou, ainda, as roupas brancas das de cor. Enfim, separou aquelas que poderiam ser lavadas rapidamente, daquelas que levaria mais tempo. Retomo, novamente, a linguagem da pesquisa científica. As peças pequenas correspondem aquelas fontes de informações que poderiam fornecer dados relevantes mas superficiais, sem profundidade. Bem diferente das peças grandes, que correspondem a dados e informações preciosas, fundamentais que exigem mais trabalho, mais empenho para estar prontas para serem incorporadas ao trabalho. As roupas de cor exigem um cuidado especial. Nelas são não usadas alvejantes, se não,borra tudo, o que as deixa irreconhecíveis. Na pesquisa isso se reflete no tipo de procedimento de pesquisa que é adotado para a obtenção dos dados o pode provocar um certa resistência em fornrcer as informações necessárias. Já as roupas brancas, o mesmo não ocorre. Quanto mais alvejante mais limpa ficam. Em termos metodológicos, isso significa que quanto mais indagamos mais tornamos esclarecidas as investidas nas informações obtidas. Ela sabia exatamente como se conduzir diante dos elementos que tinham a disposição. Diante das informações e dados que temos em mãos temos que ter consciência do que fazer com eles. Do contrário, vamos misturar tudo e o resultado não vai ser nada agradável. Ela estava me ensinando isso!
Sua genialidade não parava aqui. Ela preparou todos os elementos e recursos que precisava para dá início ao seu trabalho. Verificou a lavanderia, se tinha sabão, alvejante, balde e tudo mais. Não se pode lavar roupa sem as condições necessárias para tal. As condições necessárias numa pesquisa dizem respeito aos recursos materiais que se tem à disposição para levar adiante a pesquisa. São equipamentos que são imprescindíveis, tais como: gravador, computador, papel, lápis, sala para se trabalhar, etc. É a infraestrutura necessária para a realização da pesquisa.
Deu-se, então, a lavagem. Primeiro pelas peças pequenas, depois pelas maiores. As peças pequenas lava-se e enxuga-se mais rápido. Elas ficam prontas para serem usadas mais rapidamente que as maiores. Não precisa muito chamego com elas. Isso não ocorre com as peças grandes. Dá mais trabalho, chamam mais atenção se não ficarem no ponto. São mais visíveis, requer um cuidado maior, especial. Isso corresponde aos dados sem os quais o resultado da pesquisa poderia ficar comprometido. Não podem deixar de ser examinado com cuidado, cautela, reflexão. Se não, todo o trabalho cairá por terra. Vai por água abaixo como a sujeira das roupas!
Voltemos a Dona Joaninha. A cada peça que tinha em mãos, ela esfregada com todo o cuidado. Enxaguava-as. Espremi-as. Verificava mais uma vez se ainda não tinha nenhuma sujeira. Só após essa constatação ela as estendia. O mesmo fazia com as peças grandes. Enxaguar, esfregar, espremer correspondia a leitura crítica dos textos e dados à disposição. Bem como, evidentemente, a revisão do que se leu. As peças pequenas nessa ocasião, são os textos de fácil assimilação enquanto que as peças grandes correspondiam as grandes obras relacionados ao tema da pesquisa. Tudo submetido a uma revisão crítica. Ao estender as roupas buscava-se deixá-las prontas para o último momento que é a elaboração do texto final no qual são apresentados os resultados da pesquisa. Não devemos esquecer o momento no qual as peças de roupas são submetidas ao ferro de passar para deixá-las prontas para serem vestidas. Vestir as roupas é o grandioso momento da apresentação a uma comissão julgadora. Não é para isso que vestimos as melhores roupas?
Devo a Dona Joaninha esse maravilhoso Insigt. Se fiz essa analogia entre lavar roupa e fazer pesquisa é porque vi nesses dois trabalhos algo em comum. Mas, mais do que isso, essa analogia se deu em função de uma preocupação em levar a bom termo a disciplina Princípios e Métodos da Pesquisa Educacional. Que tal vocês leitores fazerem as sua analogias? Não querem tentar? Creio que se fizerem seus horizontes em relação a pesquisa científica poderão se abrir aos seus olhos. Um abraço a todos que dedicaram seu precioso tempo para ler essa aberração intelectual.
1Ouro de Tolo (Raul Seixas)
2Dias de Luta (Ira)

Nenhum comentário:

Postar um comentário