PESQUISAR
E LAVAR ROUPA SUJA
Josenildo
Silva de Souza
Pra
onde vai com essa trouxa, nada nada, Mariá?
Na
cacimba só tem água pra beber
Pouca
água deixa a roupa mal lavada Mariá
Lavar
roupa também tem o que aprender
(Catuaba
com Amendoim)
Em plena tarde de segunda feira,
eu estava deitado em minha rede. Não lembro, ao certo, em que data
se deu. Mas, isso não importa. O que importa, afinal, foi exatamente
o que aconteceu. Há os que consideram a segunda feira o dia em que
temos que repor as peças estragadas pelos excessos cometidos no
final de semana. Outros são mais extravagantes, ao ponto de
considerar que esse dia não deveria se quer existir. Há momentos em
que concordo ora com os primeiros, ora com os segundos. Contudo, foi
nesse dia que me ocorreu um fato extraordinário, inimaginável, até
então.
Dona
Joaninha, uma gentil senhora que eu contrato para me prestar seus
excelentes e indispensáveis serviços, chegou na minha residência
por volta das 13:30 hs a procura de trabalho para fazer naquela dia.
Todos, que me conhecem, sabem que não sou muito amistoso à ideia de
atender, seja lá quem for, antes das 14:00 hs e, mais ainda, numa
segunda feira. Sem me dar conta, eu havia deixado a porta do meu
apartamento fechada só no trinco. Como ela tinha o hábito de bater
na porta e ir logo entrando, não tive tempo de deixá-la esperando
por alguns instantes ou tomando um
chá de cadeira
na linguagem popular. Só sei que tive de atendê-la. Há um ditado
popular que diz que há
males que vem para o bem.
E não é que é verdade!
Dona
Joaninha, ao me procurar, queria saber se eu tinha alguma roupa suja
para lavar pois ela estaria pronta para prestar-me seus excelentes e
indispensáveis serviços, tal como disse anteriormente. Pois bem!
Eu disse a ela, mentindo evidentemente, que ela
tinha chegado em boa hora
e que tinha sim roupas sujas para serem lavadas, o que a deixou muito
feliz. Afinal, ela não se queixa da quantia, em dinheiro, que eu
pago por esses serviços.
Naquele
dia, eu estava muito preocupado com o conteúdo da disciplina
Princípios e Métodos na Pesquisa Educacional que, na ocasião, eu
estava ministrando no 5º período do Curso de Pedagogia da
Universidade Estadual Vale do Acaraú. A minha preocupação, era
decorrente das dificuldades encontradas pelos alunos em compreenderem
os textos que eu havia selecionado para levar a bom termo a
compreensão do que seria uma pesquisa e, especificamente, pesquisa
educacional. Talvez o erro da escolha dos textos tenha sido meu e não
dos alunos. Eu tenho uma dificuldade enorme em atribuir aos outros os
erros que cometo. Por isso, me pus a refletir sobre o que estava
acontecendo. Por que estava sendo tão difícil trabalhar aqueles
textos em sala de aula? Como levar os alunos a compreenderem o que é
pesquisa educacional com textos que eles apresentavam dificuldades de
compreensão? O que eu deveria fazer naquela situação? Perguntas
como essas e outras atormentavam a minha cabeça, me deixavam sem
dormir! Me lembrei, na ocasião, de um trecho da letra de uma canção
de Raul Seixas na qual ele diz: “eu
que não me sento no trono do apartamento com a boca escancarada
cheia de dentes esperando a morte chegar...”. 1
Antes que a morte chegasse, uma
luz iluminou o meu caminho! Comecei a observar o trabalho de Dona
Joaninha. Ela tinha algo a fazer! E esse algo a fazer começou com
uma pergunta. Vamos ao diálogo que eu estabeleci com ela:
- Professor! O senhor tem roupa suja para que eu possa lavar? Foi a pergunta que ela me fez.
- Tenho sim, Dona Joaninha! Eu disse.
- Posso lavar, agora? Uma segunda pergunta.
- Claro que sim! Foi minha resposta.
Nosso
diálogo foi muito breve, como vocês puderam ver. Pois, “quando
se sabe ouvir não precisa muitas palavras”
2.
Como se pode ver, a natureza do nosso encontro e diálogo se deu em
função da insistência de Dona Joaninha em responder uma única
pergunta, qual seja: saber se tinha roupa suja para lavar. Toda e
qualquer pesquisa começa por uma pergunta, um problema que os homens
precisam responder. Esses problemas não surgem na cabeça dos homens
ao acaso. Surgem a partir dos problemas que a realidade concreta
disponibiliza para os homens ou, evidentemente, quando eles
problematizam a realidade. Não se pode fazer pesquisa quem não tem
um problema a resolver. Essa foi a primeira lição que aprendi
naquela segunda feira.
Diante
da resposta positiva que recebeu, Dona Joaninha começou a trabalhar.
A cada ação, gesto cometido por ela, meus olhos ficavam atentos,
observando. Afinal, foi Aristóteles quem fez, pela primeira vez,
essa afirmação: “nada
está na mente humana, sem antes ter passado pelos órgãos dos
sentidos. Os órgãos dos sentidos é a porta de entrada de todo e
qualquer conhecimento”.
Dona Joaninha começou a juntar
as roupas sujas. Procurou em todos os lugares onde elas poderiam
estar. Juntou tudo! Juntou uma montanha de roupas! Na linguagem da
pesquisa científica isso significa: coletou dados, informações
onde quer que elas se encontrassem. Não parou de juntá-las até o
momento em constatou que todas, ou parte delas, estavam ali naquele
amontoado.
Após juntar tudo, ela começou
a separá-las. Num canto ela colocou as peças pequenas. Noutro, as
peças grandes. Separou, ainda, as roupas brancas das de cor. Enfim,
separou aquelas que poderiam ser lavadas rapidamente, daquelas que
levaria mais tempo. Retomo, novamente, a linguagem da pesquisa
científica. As peças pequenas correspondem aquelas fontes de
informações que poderiam fornecer dados relevantes mas
superficiais, sem profundidade. Bem diferente das peças grandes, que
correspondem a dados e informações preciosas, fundamentais que
exigem mais trabalho, mais empenho para estar prontas para serem
incorporadas ao trabalho. As roupas de cor exigem um cuidado
especial. Nelas são não usadas alvejantes, se não,borra tudo, o
que as deixa irreconhecíveis. Na pesquisa isso se reflete no tipo de
procedimento de pesquisa que é adotado para a obtenção dos dados o
pode provocar um certa resistência em fornrcer as informações
necessárias. Já as roupas brancas, o mesmo não ocorre. Quanto mais
alvejante mais limpa ficam. Em termos metodológicos, isso significa
que quanto mais indagamos mais tornamos esclarecidas as investidas
nas informações obtidas. Ela sabia exatamente como se conduzir
diante dos elementos que tinham a disposição. Diante das
informações e dados que temos em mãos temos que ter consciência
do que fazer com eles. Do contrário, vamos misturar tudo e o
resultado não vai ser nada agradável. Ela estava me ensinando isso!
Sua genialidade não parava
aqui. Ela preparou todos os elementos e recursos que precisava para
dá início ao seu trabalho. Verificou a lavanderia, se tinha sabão,
alvejante, balde e tudo mais. Não se pode lavar roupa sem as
condições necessárias para tal. As condições necessárias numa
pesquisa dizem respeito aos recursos materiais que se tem à
disposição para levar adiante a pesquisa. São equipamentos que são
imprescindíveis, tais como: gravador, computador, papel, lápis,
sala para se trabalhar, etc. É a infraestrutura necessária para a
realização da pesquisa.
Deu-se, então, a lavagem.
Primeiro pelas peças pequenas, depois pelas maiores. As peças
pequenas lava-se e enxuga-se mais rápido. Elas ficam prontas para
serem usadas mais rapidamente que as maiores. Não precisa muito
chamego com elas. Isso não ocorre com as peças grandes. Dá mais
trabalho, chamam mais atenção se não ficarem no ponto. São mais
visíveis, requer um cuidado maior, especial. Isso corresponde aos
dados sem os quais o resultado da pesquisa poderia ficar
comprometido. Não podem deixar de ser examinado com cuidado,
cautela, reflexão. Se não, todo o trabalho cairá por terra. Vai
por água abaixo como a sujeira das roupas!
Voltemos a Dona Joaninha. A cada
peça que tinha em mãos, ela esfregada com todo o cuidado.
Enxaguava-as. Espremi-as. Verificava mais uma vez se ainda não tinha
nenhuma sujeira. Só após essa constatação ela as estendia. O
mesmo fazia com as peças grandes. Enxaguar, esfregar, espremer
correspondia a leitura crítica dos textos e dados à disposição.
Bem como, evidentemente, a revisão do que se leu. As peças pequenas
nessa ocasião, são os textos de fácil assimilação enquanto que
as peças grandes correspondiam as grandes obras relacionados ao tema
da pesquisa. Tudo submetido a uma revisão crítica. Ao estender as
roupas buscava-se deixá-las prontas para o último momento que é a
elaboração do texto final no qual são apresentados os resultados
da pesquisa. Não devemos esquecer o momento no qual as peças de
roupas são submetidas ao ferro de passar para deixá-las prontas
para serem vestidas. Vestir as roupas é o grandioso momento da
apresentação a uma comissão julgadora. Não é para isso que
vestimos as melhores roupas?
Devo
a Dona Joaninha esse maravilhoso Insigt.
Se fiz essa analogia entre lavar roupa e fazer pesquisa é porque vi
nesses dois trabalhos algo em comum. Mas, mais do que isso, essa
analogia se deu em função de uma preocupação em levar a bom termo
a disciplina Princípios e Métodos da Pesquisa Educacional. Que tal
vocês leitores fazerem as sua analogias? Não querem tentar? Creio
que se fizerem seus horizontes em relação a pesquisa científica
poderão se abrir aos seus olhos. Um abraço a todos que dedicaram
seu precioso tempo para ler essa aberração
intelectual.
1Ouro
de Tolo (Raul Seixas)
2Dias
de Luta (Ira)
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